José Saramago, com quem convivi em muitos lugares, em Porto Alegre (ele adorava nossa cidade), em outras capitais brasileiras, no Exterior, era não apenas um grande escritor, não apenas um intelectual militante, como também um ser humano. De seu trabalho literário dão testemunho o Nobel que recebeu, e que projetou o nosso idioma no mundo, como, sobretudo, a qualidade de sua obra literária. Saramago era, como Jorge Amado e Erico Verissimo, um grande narrador, um narrador que não recusava o humor satírico e a fantasia, um exemplo disso sendo o notável A Jangada de Pedra, uma história que bem poderia figurar como exemplo do realismo mágico que, numa época, caracterizou a literatura latinoamericana. Saramago era também um comunista de carteirinha, uma posição a que chegou em grande parte por ter origem humilde (foi operário) e por ter vivido sob uma das ditaduras mais persistentes da modernidade, o regime salazarista. Vindo do stalinismo, ele não era imune a rompantes autoritários, ao qual se associava uma incontinência verbal capaz de produzir resultados desastrosos. Foi o que aconteceu quando comparou a ocupação israelense dos territórios palestinos ao regime nazista. Toda comparação acaba ofendendo um dos lados, e nesse caso foi uma ofensa pesada, sobretudo porque dirigida a um grupo humano que pagou pesado tributo em vidas ao nazismo.