ELOQUÊNCIA URBANA
Nesta Casa a história ganha dimensão nacional. Os atos que se cristalizam nesta Assembleia Legislativa, no pleno exercício de suas atribuições, chegam necessariamente aos corações dos homens. Desde a guarda das liberdades públicas, do patrimônio coletivo, dos bens culturais, da defesa das paisagens, dos sítios arqueológicos, até a elaboração árdua e perscrutadora dos textos constitucionais.
O cotidiano, portanto, que a sociedade julgou prudente engendrar para si, e para seus sucessores, ganha representação e destino jurídico a partir das deliberações dos ilustres Membros desta Instituição.
Como consequência, a história brasileira, com seu fardo multiplicador de fatos e de interpretações, pode bem pousar, como sombra do passado e do presente, entre os Senhores Deputados, em plena vigência do seu ofício.
As palavras que assomam a esta tribuna não fogem, contudo, do destino humano. Apaixonadas, arbitrárias, justas ou injustas, elas ganham a medida do seu tempo, falam a linguagem ditada pelos contemporâneos, transcrevem a memória dos que há muito já se foram, mas que, ainda hoje, como se aqui estivessem presentes, reforçam, junto aos Legisladores dos novos tempos, a devoção ao ideal cívico que norteou suas condutas no transcurso de seus mandatos.
São esses conceitos, decerto densos e polissêmicos, que traduzem a complexidade das leis, perpassam os interstícios do espírito e da imaginação, servem à carência dos homens. Como consequência, observa-se nesta Assembleia uma militância cívica, memorialística, histórica, empenhada em levar aos municípios do Estado de São Paulo um estatuto de ordem ética, de salvaguarda institucional. E, de tal forma rigoroso e nítido, que registre à perfeição a fisionomia política, social e cultural do Estado, integre-o à esfera federal. E que esta fisionomia, ao deixar suas fronteiras, cruzando o solo da pátria, rumo à Brasília, deposite, aos pés da lei maior, aquelas leis promulgadas por uma Assembleia Legislativa autônoma, respeitosa, que lima as matérias nacionais.
SR. PRESIDENTE,
Neste plenário histórico cada qual confronta-se com sua respectiva biografia e assume sua responsabilidade social. Cientes todos de que a prece cívica, formulada neste espaço, ganha respaldo de uma natural delegação.
Assim sendo, ante os senhores, assumo a condição de escritora e de Presidente da Academia Brasileira de Letras, movida pelo propósito de trazer a esta Tribuna a presença da Casa maior da intelectualidade brasileira. Uma Instituição que, fundada em 20 de julho de 1897, no albor da República, soube fecundar e enriquecer os meandros do imaginário brasileiro ao longo de sólidos 100 anos. Sob o teto da morada de Machado de Assis, Joaquim Nabuco. Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Barão do Rio Branco, para mencionar alguns dos 252 membros, registram-se língua, sentimentos, idiossincrasias, enigmas que, em conjunto, e indissolúveis, amalgamaram a psiquê brasileira, expuseram, à luz da arte e da reflexão, o Brasil litorâneo, o Brasil profundo, o Brasil de mil faces, a desmedida do nosso eloquente sonho.
SENHORES DEPUTADOS,
É uma alegria encontrarmo-nos hoje em São Paulo. O estado e a cidade que se confundem no imaginário brasileiro.
Nesta cidade que, encarnando as mais altas virtudes de todo o estado, nasceu do espírito dos jesuítas e dos primeiros brasileiros que, em 1554, com sandálias e batinas gastas, venceram a serra, para chegarem ao local onde se ergueria São Paulo. Graças a esses homens de fé e de visão, aquele núcleo modesto ganhou o nome de São Paulo do Campo de Piratininga, logo reduzido simplesmente para São Paulo, estrela reluzente da nação brasileira.
Surgida da vontade férrea daquela grei, a cidade de São Paulo, onde se encontra sediada esta Assembleia Legislativa, cresceu em ritmo vertiginoso. A dramática eloquência da urbe ultrapassou a corriqueira medida humana, por meio de edificações, de monumentos à altura de suas almas. A cada passo histórico arregimentando múltiplas realidades que, alojadas no coração dos homens, tornam São Paulo, arrojada e conflitiva, a metrópole das Américas. O retrato, por excelência, da exasperada contemporaneidade do continente latino-americano.
É forçoso proclamar que por este grande Estado, por esta cidade inventiva e dodecafônica, perpassa a memória dos homens. Esta memória arrecadada nos campos, nas ruas, nas praças, nas casas, e que se enriquece a cada amanhecer. Capaz de narrar a heroica história de São Paulo, de forjar um relato que enlace sua esplêndida potencialidade e riqueza. Um Estado que é, sem dúvida, um dos palimpsestos dos país, sístole e diástole dos impulsos e das rotas humanas, para o qual confluíram o Ocidente e o Oriente, todas as etnias, as instâncias humanas, em obediência a esplêndido fluxo imigratório.
São Paulo, que nos alberga hoje com extremada hospitalidade, é uma fascinante geografia. Por suas paragens circulam sonhadores, seres utópicos, ansiosos por criar uma terra de oportunidade, de trabalho, onde o lar que se erga assegure o conforto dos homens. Esta São Paulo cidade e estado, que protela em admitir a morte da aventura humana.
Sob esta abóbada urbana, sob o conglomerado dos seus municípios, conjunto que excede a imaginação social, a vida oscila, dia e noite, entre o trabalho e a paixão. Cada estágio de sua história enriquecendo a cartografia brasileira, tecendo a urdidura narrativa que incita o imaginário, que nos oferece um constante material de vida e de arte. Da substância que corresponde à enigmática demanda de São Paulo, e que deu ao Brasil memorável e primorosa genealogia artística e intelectual. Graças à qual destacamos, justo quando a Academia Brasileira de Letras é homenageada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, os nomes de quatro grandes intelectuais paulistas que integram este panteão brasileiro, que é a Academia Brasileira de Letras: Acadêmicos Miguel Reale, Lygia Fagundes Telles, João de Scantimburgo, Sábato Magaldi. Magaldi sendo, ao mesmo tempo, servidor de Minas e de São Paulo. Intelectuais e criadores que, onde estejam, honram o Brasil e a Casa de Machado de Assis.
Nesta Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, à sombra do que é regional e nacional, donos de um repertório que desemboca no universal, identificamos em todos nós, brasileiros, uma genealogia constituída de marcas de origem sedimentadas na língua, na história, na memória coletiva. Seguros ingredientes que enlaçam o Brasil e formam aqueles riscos de bordado que a vida progressiva e atemporal, fabricante de memórias, imprime aos enredos privados e coletivos.
SENHORES DEPUTADOS,
Agradecemos, comovidos, ao Presidente Paulo Kobayaski, legislador e educador de méritos amplamente reconhecidos, e a seus ilustres pares, a homenagem que prestam à nossa Instituição.
Por motivo de tal honra, encontramo-nos, hoje, entre Senhores, cientes de que os seres humanos inventaram rituais, as cerimônias, buscando fortalecer, por meio dessas mil formas polidas, o processo civilizatório, impedir as manifestações da barbárie.
Sob a custódia de crença tão generosa e necessária, aceitamos, em nome da Academia Brasileira de Letras, por motivo do seu Primeira Centenário, esta comovedora homenagem.
Muito obrigada.