Discurso do Presidente Ivan Junqueira
Posse da Diretoria - Dezembro de 2004
Quis a Casa, pela unanimidade dos votos de meus ilustres confrades, que esta Diretoria fosse reeleita para mais um mandato, e agradeço aqui, em nome dos companheiros que comigo a compõem, a confiança que em nós depositaram os senhores acadêmicos. Chegamos ao fim de um ano difícil, o primeiro desde 2000, quando passamos a auferir a totalidade dos aluguéis do Palácio Austregésilo de Athayde, em que se registrou uma inesperada queda nas receitas da Academia, a que se somaram as despesas com que fomos obrigados a arcar em razão de reformas inadiáveis em nossos imóveis e de investimentos destinados à preservação do patrimônio.
Quero crer, como já disse aos senhores, que seja esta uma turbulência sazonal, ocasionada, em grande parte, pelo processo de esvaziamento e desvalorização patrimonial do centro do Rio de Janeiro, o que comprometeu, com impacto bem mais grave do que aquele que nos atingiu, diversos outros prédios da cidade, cuja taxa de ocupação acusou em 2004 uma queda vertiginosa e preocupante. E não se pode responsabilizar a Academia pelos níveis de empobrecimento das empresas que atuam no Rio de Janeiro ou os insuportáveis índices de violência urbana que as levaram a abandonar o centro da cidade.
Mas a Academia não se rendeu. Apenas ajustou-se à nova realidade por meio de cortes em suas despesas e da redução em seu orçamento para 2005, quando será inevitavelmente menor o ritmo de nossas atividades. Elas serão mantidas, mas com outro formato e outra ordem de grandeza. A Academia é hoje uma empresa de médio porte, e terá que se comportar como tal, atenta às oscilações de um mercado no qual, queiramos ou não, estamos inseridos. Não somos, entretanto, uma empresa qualquer: somos, acima de tudo, uma casa de cultura que mantém estreitos e profundos vínculos com a sociedade, e esta sociedade espera de nós que continuemos a atendê-la na mesma medida em que desde sempre o fizemos, ou seja, oferecendo-lhe uma generosa programação de conferências e seminários, de eventos culturais e de publicações que condigam com as tradições da Casa de Machado de Assis.
Mas esta Casa cresceu, expandindo suas atividades devido à intensificação dos trabalhos da Comissão de Lexicologia e Lexicografia, cujos filólogos se dedicam no momento à preparação de um Dicionário Escolar e do Dicionário da Academia, além dos textos que passaram a integrar a nova Coleção Morais e Silva. Tais atividades se avolumaram também em virtude da criação, em 2003, da Biblioteca Rodolfo Garcia, que será em breve aberta ao público e onde passaram a funcionar, no fim deste ano, uma sala de videoconferências e outra de multimeios, as quais se transformarão em mais uma de nossas fontes de renda. E claro está que esses setores implicaram gastos de investimento, mas de um investimento planejado para gerar novas receitas. São tais realizações, cumpre lembrar aqui, que fazem desta Casa uma referência nacional nas áreas da cultura e da preservação do idioma. No início, porém, tudo tem um preço, e a Academia paga no momento o preço de sua louvável iniciativa, uma iniciativa que não foi mérito desta Diretoria, mas que esta Diretoria encampou.
Tanto a Comissão de Lexicologia e Lexicografia quanto a Biblioteca Rodolfo Garcia são realidades irreversíveis. E o desafio que agora se lança é o de sua sustentabilidade. É esta a razão pela qual a Academia passou a se empenhar no sentido de conseguir parcerias com instituições públicas e privadas, algumas das quais já manifestaram vivo interesse por nossos projetos. Enganam-se aqueles que julgam ser a cultura uma atividade que dispense os recursos financeiros. Muito ao contrário, cultura só se faz com dinheiro, com patrocínios e até com mecenatos. Atesta-o a própria história da civilização ocidental. Não temam os senhores, todavia, que essas eventuais parcerias possam colocar em risco a autonomia da Casa, que continua soberana e financeiramente saudável, tendo até conseguido, ao longo deste ano, aumentar o seu fundo de reserva. As parcerias e os patrocínios nada mais são do que uma forma, talvez até transitória, de nos adequarmos a uma nova realidade.
O ano de 2005 trará novos desafios à Casa de Machado de Assis. Trata-se do Ano do Brasil na França, e à Academia caberá um papel de destaque nas comemorações que terão lugar em Paris, onde está prevista uma sessão solene conjunta da qual participarão acadêmicos brasileiros e membros da Académie Française. Estará também a Academia representada na Feira Internacional do Livro de Havana, cujo tema é o Brasil. E fomos ainda convidados para participar em Madri dos festejos e cerimônias que irão assinalar o transcurso dos 400 anos de publicação do Don Quijote, de Cervantes. Afora tudo isso, há que cuidarmos de nossas próprias efemérides, que não são poucas e, pelo menos para nós, menos relevantes, pois esta é também, como todos o sabem, uma casa de memória, e até mesmo de “memórias póstumas”, como as daquele imortal personagem criado por outro imortal que é o patrono desta Casa e de toda esta literatura que insiste em não morrer.
Esta Diretoria teve sempre um lema: preservar tudo aquilo que as Diretorias anteriores nos legaram como lição, como ensinamento e como realização. Preservar, ainda, tudo aquilo que se conquistou ao longo de uma história que já se fez centenária e que é, na verdade, secular, pois que se faz desde o momento em que, do outro lado do Atlântico, alguém começou a balbuciar a língua portuguesa. E esse zelo tem um custo, um custo cada vez mais alto. Haveremos de pagá-lo e de receber em troca a compensação que nos cabe por havê-lo feito. E se nos toca uma tradição de generosidade, toca-nos também, sobretudo agora, a imposição de uma grave e firme atitude de cautela. Não somos argentários, mas prometo aos senhores que jamais seremos perdulários.