Discurso do Presidente Ivan Junqueira
Posse da Diretoria, 19 de dezembro de 2003
Quiseram os fados e os confrades que me coubesse em
A Academia Brasileira de Letras é pouco, ou muito, ou tão-somente, a soma e a súmula de tudo isso, dessa língua de cultura, dessa cultura, de outras línguas que a ela se acrescentaram e a modificaram, e de outras culturas que enriqueceram e ampliaram os horizontes de nosso comportamento como povo e como nação. Por isso é tão complexo o papel que desempenha esta Casa, e por isso ela acabou por tornar-se uma instituição quase mítica, um emblema, uma referência para todos aqueles que se dispõem a compreender como se engendrou o nosso processo civilizatório. Somos, a bem dizer ─ e disse-o o grande presidente a quem agora sucedo ─, os guardiões de um patrimônio transoceânico, os herdeiros de uma cultura e de uma maneira de ser que, se de um lado nos vieram do colonizador europeu, de outro é bem verdade que se consolidaram nas águas de um certo rio chamado Atlântico, cujas margens são a costa da Bahia o golfo do Benim. E esse rio que nos separa foi o mesmo que nos uniu, e depois nos afastou, e uma outra vez nos ajuntou, graças a um processo de doação recíproca sem o qual jamais conseguiríamos entender o que somos e como agimos.
Repito que é grande o desafio de prosseguir e consolidar tudo o que vem sendo realizado pelas diretorias que herdaram o opulento patrimônio legado pela longa presidência de Austregésilo de Athayde. E não se pode esquecer aqui o muito que fizeram pela Casa, graças ao seu talento e à sua competência, todos os presidentes que me antecederam. De todos sou devedor e tributário, e de todos pretendo ser apenas, se puder sê-lo, um aplicado e pertinaz discípulo, pois foi com eles que aprendi esta lição seminal: imortais não somos nós, imortal é a Casa a que pertencemos. Nossa missão se resume, portanto, em preservá-la tal qual a recebemos, “com seus livros, com seus quadros, / Intacta, suspensa no ar”, como disse o poeta de cujos versos aqui me socorro para que possamos compreender que o destino que lhe cabe é transpor “esse mundo de aparências” e perdurar na eternidade, à semelhança daquele obscuro e anônimo beco que a poesia imortalizou.
Foi muito o que herdamos de todas essas presidências: as sucessivas reformas do Petit Trianon, a criação do Centro de Memória e do Espaço Machado de Assis, as obras de recuperação de várias outras dependências do Centro Cultural do Brasil, a interminável batalha contra os cupins, a informatização de todos os nossos setores, a permanente e criteriosa aquisição de acervos bibliográficos, iconográficos e pictóricos, a modernização das publicações, a retomada das atividades filológicas a cargo da Comissão de Lexicografia, a restauração da Biblioteca Acadêmica e, enfim e ao cabo, essa notável conquista que foi a criação da Biblioteca Rodolfo Garcia, recém-inaugurada no 2º andar do Palácio Austregésilo de Athayde e pela qual tanto lutaram, nestes últimos três anos, os Acadêmicos Tarcísio Padilha, Carlos Nejar e, mais do que todos, Alberto da Costa e Silva, que, para levá-la a bom termo, recorreu aos inestimáveis préstimos do Acadêmico Murilo Melo Filho. É muito, pois, o que recebo em minhas mãos, que serão apenas duas, mas incansáveis e diligentes, a fim de que toda essa herança seja preservada com o zelo que merece.
A diretoria que hoje se empossa promete não reinventar a roda, mas apenas fazer com que ela gire, da mesma forma como gira o mundo, sem que ninguém esteja obrigado a reinventá-lo a cada instante. Quero contar com o apoio e a solidariedade de todos, pois serei o presidente de todos. Esta é uma Casa de convívio e de comunhão não apenas de espíritos, mas também de muitos e poderosos braços cujo propósito é o bem comum, esse bem comum que só se cristaliza quando amadurece a alma de uma sociedade. E quero, enfim, agradecer a todos aqueles que, com sua estima e com seu voto, depositaram em mim tamanha e tão temerária confiança. A estes prometo lisura, empenho e pertinácia. E um pouco de imaginação.