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Artigos

  • Rachel é o Brasil

    Rachel de Queiroz proclamava-se "uma velha senhora sionista". Tinha notórias simpatias pelo "Povo do Livro". Esteve em visita ao Estado de Israel, ocasião em que foi duplamente homenageada: com o plantio de uma árvore em seu nome e com a inauguração de uma bonita creche, na cidade de Telavive. Ela gostava de freqüentar festas judaicas e, gulosa, apesar dos problemas de saúde, fartava-se com os tradicionais guefilte-fish, patê de fígado e apfelstrudel. O seu interesse era tão grande que aprendeu alguns desses pratos com a amiga Paulina Dain Buchmann. Era capaz de ficar horas discutindo temperos. Gostava de cozinhar, embora alimentasse as nossas conversas, no apartamento do Leblon, com um delicioso e incomparável sorvete de manga. Foi assim que conheci o outro lado da grande figura literária brasileira.

  • Un pò de chiesa

    Alguns leitores reclamaram da crônica anterior ("Debate do segundo turno"), publicada na última quinta-feira. Uns não compreenderam, outros acharam falta de respeito para com os dois candidatos e para com Deus Todo-Poderoso. E todos a julgaram inoportuna.

  • Para onde vão os países bálticos?

    O mundo báltico foi o do advento temporão, na Europa, dos Estados nacionais, de depois da queda do Muro. Estônia, Lituânia ou Letônia marcam identidades distintas, via de regra simplificada pelo regionalismo territorial. A continuidade litorânea não impediu notória diferença entre os influxos culturais, as tradições históricas e as ambições de poder destes países, ciosos dos seus limites, das suas línguas e de suas culturas, muitas vezes descartadas por uma parentela geográfica. Riga foi a terceira cidade do czarismo, e estuário marítimo do império de Pedro, o Grande. A língua russa continua matricial hoje na Letônia, e a parentela arquitetônica da capital é a dos palácios de São Petersburgo, as avenidas imensas, e os seus palácios de verde e azul desbotado. Mas o fim do século XIX emprestou-lhes um matiz cultural único, de art nouveau na riqueza de cariátides e atlantes, que ornam as fachadas dos edifícios gigantescos do centro da cidade. Vem da matriz de um só artista, de Eisenstadt, a proliferar, subseqüentemente, na vivacidade dos boulevards e do jogo de vista únicos em que se entrelaçam os balcões da metrópole.

  • Senha da Conspiração

    Depois de muitas confusões, consultas ao judiciário, editoriais da imprensa, reclamações, choro e ranger de dentes, as eleições foram realizadas e, aos poucos, ficamos conhecendo os derrotados e eleitos, embora provisoriamente. É quase certo que teremos algumas complicações na Justiça Eleitoral, provocadas pelas incertezas de última hora, a validade do Ficha Limpa, os incidentes de praxe. Haverá sempre o cabo de polícia que, visivelmente embriagado, deu tiros para o ar numa seção do Piauí. E o mesário que, involuntariamente ou não, travou o equipamento eletrônico numa seção de Tocantins.

  • Nós e os marcianos

    Luiz Fernando Verissimo, mestre da crônica, escreveu no O Globo (05/08/2010) que se um marciano viesse, várias vezes, ao País e observasse em cada vinda os políticos no poder e seu índice de aprovação, ficaria tão perplexo que suspiraria fundo e talvez desistisse do Brasil.Penso que, se fosse um marciano mais esperto e não tão ingênuo, em face da gangorra de interesses, era bem capaz de não apenas ficar no Brasil como entraria na política.  Porque encontraria uma feliz oportunidade de ser reconhecido, entre os seus aplaudidos líderes, já que não deve ter traços alienígenos, ou porque a maioria dos nossos políticos já parecem os trazer como marca registrada, desde o berço e são indistinguíveis.

  • Voz e emoções

    Depressão é um dos problemas mais frequentes em nossos tempos, afetando cerca de 6% das pessoas, sobretudo as mulheres, 20% das quais enfrentarão ao menos um episódio depressivo em suas vidas. O diagnóstico em geral não é difícil e se baseia nos sintomas relatados pela pessoa, que se sente triste, perde o prazer pelas coisa da vida, pode experimentar insônia ou sonolência.

  • O dilema e o fantasma de Marina

    A proposta eleitoral de Marina inquietou pela sua ambigüidade. Evidenciou o inconformismo com o que está aí, sem se dar conta dos reptos de um genuíno governo de mudança como o de Lula. E, mais ainda, levou à pregação ecológica, a substituir-se à prioridade da luta contra a injustiça social no País. O que mais repercute, entretanto, é o quanto a aceitação de seu apelo por uma nova geração põe em causa, ainda, uma sub-cultura da impaciência, frente ao realismo da mudança vivido pela nação saída da marginalidade. De toda forma, a onda Marina refugava, de saída, o voto em Serra, como ameaça de retorno ao País de sempre. E a votação na candidata verde foi tanto menos expressiva quanto foi menor pelos despossuídos em todo o País. A candidata conclamou no primeiro turno por um projeto, mas este nada elucida quanto às exigências de um desenvolvimento sustentado. E vai a três mistificações, diante do perigo da boa vontade ingênua, no reconhecer as prioridades do País de agora. Repete o pecado ancestral do "udeno-moralismo", ao clamar, de saída, por uma hipotética reforma política, que em nada modificará o que está aí, enquanto não se alterar o peso dos donos do poder; e tàl só se dará, de fato, pela mudança estrutural da economia brasileira.Esta, por sua vez, é inseparável do intervencionismo público e da aceleração da distribuição de renda, temas mudos na pregação da acreana. Marina é impermeável, por outro lado, aos problemas da federação brasileira, e do imperativo de passar-se à União o desenvolvimento social, espremido pelas limitações constitucionais, no que poderia ser o PAC, na ampliação dos recursos para educação, saúde, ou habitação. A verde isolou a ecologia, num confronto com o desenvolvimento, sem propostas concretas quanto ao controle da agroexportação, ao impacto ambiental profundo do investimento hidroelétrico ou aos reflexos da nova agricultura familiar, na imigração interna do país e na mudança de pressões sobre as nossas megalópoles. 

  • A ilusão dos antibióticos

    As notícias sobre a rápida disseminação da superbactéria Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC) teve pelo menos um mérito: trouxe à baila a questão do mau uso de antibióticos. O que não é um problema novo, e apareceu já com o lançamento dos primeiros antibióticos, à época da Segunda Guerra. Assim, a penicilina, que ao surgir era 100% eficaz contra o estafilococo, teve essa eficácia reduzida em algumas décadas para 10%. Nos anos 90, um levantamento mostrou que, em apenas quatro anos, a porcentagem de enterococos (bactéria intestinal) resistentes à vancomicina aumentou 20 vezes. A cefalexina, que, quando apareceu, era eficaz contra todas as infecções urinárias, agora só pode ser usada em 30% dos casos. Também a ampicilina perdeu muito de sua utilidade. Um estudo publicado no “New England Journal of Medicine” mostrou que, em três anos, dobrou a resistência dos estreptococos causadores de pneumonia. Assim como compromete o ambiente, o ser humano está comprometendo os recursos que poderiam ser usados contra doenças. Isto resulta, antes de mais nada, de um uso excessivo desse tipo de medicamento. Nos Estados Unidos, cerca de 25 mil toneladas de antibióticos são administradas anualmente. E de forma equivocada: 75% dos casos, tratam-se de infecções respiratórias. Destas, a maioria resulta de vírus, contra os quais os antibióticos não têm efeito. Ao problema da prescrição equivocada, temos de associar a automedicação. As pessoas se veem rodeadas por inimigos invisíveis, que é preciso combater; e aí, dê-lhe antibiótico. Uma verdadeira mania. Mais um fato: 70% dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos e provavelmente em outros países são dados a animais, também em caráter “preventivo”. Com isso, aumenta a quantidade de germes resistentes. Resolver esse problema vai nos melhorar como sociedade. Precisamos tomar consciência de que nosso ato imprudente, ainda que no curto prazo não nos prejudique, resultará num risco geral: atualmente, as infecções por germes resistentes matam mais de 70 mil pessoas por ano nos Estados Unidos. A ilusão dos antibióticos custa caro. Perguntem à superbactéria.

  • Se eu tivesse um barco...

    Durante anos, Rubem Braga publicava ao fim de suas crônicas na revista “Manchete” uma seção sob o título “A poesia é necessária”. Evidente que os poetas escolhidos eram os de sua preferência. Imitando o mestre, gostaria de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto intitulado “Cais matutino”.

  • O poder das pontas

    "Será que precisamos de regiões hegemônicas, de figuras hegemônicas?" Quando eu estudava física, no colégio (isso mais ou menos na pré-história) falava-se de algo chamado o poder das pontas, ou seja, a capacidade que têm objetos pontiagudos de atrair e de concentrar energia, o para-raios sendo disso um exemplo clássico. Mas o poder das pontas pode servir de metáfora para muitas situações, inclusive na política, coisa que pode ser lembrada nos 80 anos da Revolução de 1930, que, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, colocou o Brasil no rumo da modernidade. O movimento teve início num estado que era, e é, a ponta do Brasil, o Rio Grande do Sul, uma ponta encravada, por assim dizer, no Cone Sul da América Latina, no antigo domínio hispânico, do qual na verdade fazia parte de acordo com o Tratado de Tordesilhas. A região foi conquistada a ferro e fogo, e isso inaugurou uma tradição guerreira que se prolongaria por séculos, simbolizada na figura do gaúcho e expressa numa forte tradição. Por sua história, e por sua posição geográfica, o Rio Grande do Sul sempre teve uma forte consciência de sua identidade, o que aliás gerou, em 1835, um movimento de rebeldia contra o governo central, a Revolução Farroupilha, que, a rigor, foi derrotada, mas que até hoje é celebrada no dia 20 de setembro. Por outro lado, e por causa da enorme distância que o separa do centro do país, as elites gaúchas sentiam-se marginalizadas nos grandes processos decisórios que, nos anos 1920, dependiam sobretudo da política café-com-leite, da união entre São Paulo e Minas Gerais.

  • Morte gloriosa

    Neste Dia de Finados pensamos na morte. E pensamos na morte como uma coisa triste, melancólica, o fim da nossa existência ou da existência de pessoas que foram importantes para nós e que desapareceram para sempre de nossas vidas.

  • Educação corporativa

    Depois de ter editado os seus dois primeiros Cadernos, um sobre Cultura e Democracia, outro sobre Ensino Profissional, o CIEE/Rio focalizou no terceiro um tema que se encontra na ordem do dia: Educação Corporativa. Graças à competência da pedagoga Andréa Caruso, especialista em Gestão de Recursos Humanos, mestre em Educação e doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ), promoveu-se essa reflexão a respeito das ideias que circulam no mundo dos negócios e no meio acadêmico sobre a Educação Corporativa, que pode ser compreendida como um conjunto de estratégias voltadas ao desenvolvimento e a potencialização do capital humano nas organizações com o intuito de obtenção de vantagem competitiva e sustentável no mercado. A Educação Corporativa, fenômeno que emerge em resposta às demandas da denominada sociedade do conhecimento, justifica-se e ganha cada vez mais força no cenário produtivo devido a fatores, como a necessidade de a aprendizagem ser um processo contínuo; a descentralização do poder e a verticalização das relações dentro das corporações; o advento da Gestão do Conhecimento; a urgência de o trabalho manual ser substituído por um trabalho fundamentalmente intelectual em todos os níveis hierárquicos; a eficácia do conhecimento robusto no aumento da produtividade; a dicotomia entre ensino formal e mercado de trabalho e, por fim, a necessidade de desenvolvimento, descoberta e retenção de talentos.

  • Dilma: os olhos de ver a vitória

    A vitória de Dilma leva já o País às visões dessa nova repartição de poder, no que a petista inclusive estende a mão aos seus adversários. De logo, vai o contraste com a posição de Serra, tartamudo no reconhecer a derrota, e ficando nos limites mínimos da correção política para felicitar a ganhadora.

  • A hora de pagar

    Certa vez,li as revelações de um ex-deputado que teria recebido o auxílio de alguns milhares de dólares para a sua campanha eleitoral. Através de telefonemas gravados, ficou revelada a mecânica dessas contribuições. O candidato ao Congresso queixava-se ao seu maior, no caso o candidato à Presidência, de que estava sem verba para azeitar a sua própria campanha, que garantiria 30 mil ou 40 mil votos para a eleição do novo presidente da Repúbüca. Recebeu a promessa de uma ajuda. Dias depois, o tesoureiro-chefe do partido comum, o indestrutível homem da mala, discutiria o "quantum", estabelecendo as prestações semanais, fazendo uma única exigência: o destinatário deveria procurar um empresário de multinacional para agradecer a colaboração, mas sem entrarem "detalhes". Tudo feito à risca, o candidato agradeceu os dólares e os recebeu a tempo de lubrificar a própria campanha. Da dívida ficou a dúvida: ele, candidato, recebeu a doação de alguns milhares de dólares, agradeceu "sem entrarem detalhes"e logo suspeitou de que estava agradecendo a doação de 1 milhão de dólares, embora só tenha recebido 100 mil.

  • Aprendendo a conviver com a morte

    Numa semana que teve em seu início o Dia de Finados a pergunta até que cabe: como aprendem os médicos a conviver com a morte? De forma gradual, é a resposta. Coisa que constatei por experiência própria. Nosso curso começava, classicamente, com a disciplina de anatomia. Depois de algumas aulas teóricas, fomos um dia levados para o necrotério da faculdade, que ficava no andar inferior do prédio da Rua Sarmento Leite. As portas se abriram; sobre as mesas de alumínio, estavam cerca de 20 corpos, rígidos, à nossa espera. O cadáver que tocou a nosso grupo era o de uma mulher, ainda jovem, fisionomia inexpressiva. Muitas vezes interroguei-me a respeito de quem, afinal, teria sido essa pessoa; mas nunca consegui pensar nela como um ser humano, mesmo porque, preservado pelo formol, o cadáver adquiria uma aparência de coisa sintética. Algo, se não benéfico, pelo menos pragmático: à entrada do necrotério, bem poderia estar inscrita uma paráfrase de Dante: “Deixai de lado todas as emoções, ó vós que aqui entrais, e pensai exclusivamente no aprendizado da profissão.” A morte agora tinha penetrado em nossas vidas e delas não mais sairia. Na fase clínica do curso estagiávamos na Santa Casa, onde casos graves eram a regra. Muitas vezes chegávamos de manhã e víamos, sobre o leito que até a noite anterior havia sido ocupado por nosso paciente (uma pessoa com a qual não raro estabelecíamos laços de amizade), o colchão enrolado. Cena tão eloquente como desanimadora. Como desanimador, apesar de instrutivo, era proceder à necropsia desses pacientes. Obedecendo a uma necessidade interior, íamos construindo nossas defesas contra a angústia, resultantes do conhecimento técnico e científico, que condicionava nosso modo de pensar, e até o de falar, o jargão médico: “Ele fez um edema agudo de pulmão...” Ele fez: era o paciente que tinha feito o edema agudo de pulmão, o seu corpo. Desse corpo era a responsabilidade do óbito que aliás raramente presenciávamos. A mim, particularmente, o momento da verdade chegou quando eu já era residente em Medicina Interna. Uma noite atendemos, no Hospital São Francisco, uma mulher que havia sido internada por grave insuficiência renal. Seu estado era absolutamente desesperador, e ali estava o grupo de médicos lutando para salvar a pobre criatura. Esforço inútil porque, como previsto, a paciente acabou morrendo. Curvado sobre ela, presenciei o momento exato do óbito: o relaxamento da musculatura facial, uma súbita e impressionante palidez, e pronto, a vida a deixara, dissolvera-se nas trevas da noite lá fora.