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Aurélio de Lyra Tavares

O COMBATE DA ILHA DA REDENÇÃO

A grande operação que a Tríplice Aliança iria realizar era, no seu conjunto, a transposição do rio Paraná e a conquista de uma cabeça-de-ponte na área do Passo da Pátria, como primeira fase, tendo em vista desalojar o inimigo da sua posição defensiva, a fim de, numa segunda fase, prosseguir o ataque, no interior do seu território, para atingir Humaitá.

No quadro dessa manobra, a conquista da Ilha da Redenção, diante da qual as Forças Aliadas enfrentavam o forte paraguaio de Itapiru, se inseria como ação preliminar para neutralizar os seus fogos, de modo a impedir que eles viessem a molestar a operação principal, perturbando a operação técnica da transposição do rio.

Era importante que ela fosse desencadeada de surpresa, pelo que o canal entre a Ilha da Redenção e Itapiru devia ser cruzado a coberto das vistas inimigas, que quer dizer à noite, e em silêncio, pelas forças comandadas por Vilagran Cabrita, para que o inimigo não fosse alertado prematuramente. Porque a guarnição do forte tinha vistas diretas sobre a Ilha, em cujas trincheiras estava desfraldada a Bandeira do Império. Lopes estava, pois, atento ao que se passava do lado brasileiro como bem sabia Osório, para quem a surpresa tática era inexeqüível, mas, ainda que fosse quebrada, o importante era preservar a surpresa estratégica da operação principal, iludindo os paraguaios sobre a frente da transposição.

Sem dúvida, a ocupação da ilha, sobre a importância moral com que se devia apresentar ao inimigo fanatizado, representava para ele, se não um perigo, ao menos uma grande ameaça, e o acampamento do grosso das forças paraguaias, no Passo da Pátria, passava a correr um risco iminente. Isto quer dizer que a ocupação da ilha como que forçava as represálias de Lopez, e não era possível prever o valor dessas represálias. Elas, realmente, não se fizeram esperar. Iniciaram-se logo no dia 6, por um duelo, cada vez mais violento, entre a artilharia de Itapiru e a nossa. A Esquadra Brasileira, por ordem de Tamandaré, reforçou, com navios seus, a defesa da ilha. Do lado contrário, o fogo do forte passou a dispor de mais duas peças de 68, de Marinha, que Lopez mandou instalar, imediatamente.

A guarnição brasileira não teve mais tréguas, nem de dia nem de noite. Enquanto isso se passava, Mitre concentrava, face ao Passo da Pátria, o grosso das forças aliadas. Chegaram, sucessivamente, os brasileiros, os argentinos e os orientais. E a 9 de abril o Exército Aliado estava acampado num espaço de três quilômetros. "E um enxame de homens e animais, mal cabe uma coluna." (Diário de Palleja).

O bombardeio cerrado sobre o forte de Itapiru exigiu do inimigo um denodado esforço para defendê-lo. No dia 8 de abril, quando já se o julgava neutralizado e destruído, ainda flutuava sobre o mesmo a bandeira paraguaia. Os seus defensores, que a viram cair três vezes, ao fogo cerrado e preciso dos canhões e dos fuzis brasileiros, lograram reerguê-la, num gesto de heroísmo que merece o respeito e a admiração de todo o verdadeiro militar, com surpresa dos brasileiros, sobre os escombros do forte, cujas baterias foram colocadas na margem do rio.

Do nosso lado, o esforço pedido à guarnição da ilha já era gigantesco. Osório chegou a ordenar a sua substituição, mas todos os seus 900 homens preferiram e lograram continuar nos seus postos. A munição gasta, como se pode presumir, já era considerável. E isto representa apenas o prelúdio do Combate da Redenção.

O duelo de artilharia, que se estendeu do dia 6 ao dia 9 de abril, permitia a Solano Lopez a montagem de uma operação mais importante, visando à reconquista da ilha. Ela será desencadeada na madrugada do dia 10 de abril. Na noite de 9/10, muito escura e fria, os paraguaios preparam a operação, procurando a surpresa. Diaz vai dirigi-la, dispondo, para isto, de 3.266 homens escolhidos. Destes homens, ele conservaria consigo, em Itapiru, como uma verdadeira massa de reserva, o efetivo de 2.000. Os 1.266 restantes, sob o comando de Leonardo Rivero, embarcariam, para tentar a empresa. Eram seus auxiliares os Tenentes Mattes Romero, Pablo Carrero, Mariano Bordon e outros.

A travessia do canal se iniciou às 3 horas da madrugada, com todas as precauções para que a surpresa não fosse quebrada. Os remos batiam n’água quase em silêncio. As primeiras embarcações paraguaias conseguiram, assim, "aproar" sem que a vigilância da ilha fosse despertada. Graças, principalmente, à escuridão e à cobertura da macega, os homens desembarcaram em segredo. Era preciso, agora, progredir através da densa vegetação e os paraguaios já iam preparados para a abordagem das trincheiras, mas os galhos quebrados à sua passagem e o sussurro das vozes de comando, que procuravam articular a investida noturna, terminaram por alertar, em tempo, os postos avançados da nossa defesa. Os brados de alerta ressoaram na madrugada fria, e os inimigos ainda assim, procuraram burlar e confundir a ação dos 900 defensores da ilha, dando "vivas ao Imperador do Brasil". O fogo da nossa Infantaria e das peças de Artilharia foi despejado sobre eles. Repelidos, nessa primeira tentativa, refugiaram-se na mata, continuando, porém, o seu fogo a atuar sobre a guarnição da ilha. Os reforços lhes chegam, do outro lado, e uma nova investida dos paraguaios é desencadeada e prontamente detida e repelida. O ataque, porém, não arrefece, e tira partido da escuridão, que prejudica o rendimento do fogo dos defensores. Afinal, à primeira claridade da manhã do dia 10, já se torna possível assinalar a progressão dos invasores e destacá-los no meio da macega. Eles concentraram o seu fogo sobre a parte direita das trincheiras, e o 7º Batalhão de Voluntários da Pátria (de S. Paulo), conjugando seus esforços com o 14o Provisório, luta com ardor, na sua defesa. À frente deles está Cabrita, dirigindo, pessoalmente, a ação dos brasileiros. É nele, na confiança que inspiram o seu valor, a sua bravura e a sua ação vigilante, que repousa a sorte de toda a guarnição. Na esquerda, está Tibúrcio Ferreira de Souza, e, no centro, Eudoro de Carvalho. A luta é encarniçada. O espírito fanático do inimigo condu-lo, em arremetidas furiosas; mas a defesa, bem coordenada e heróica, consegue detê-lo, em frente às nossas linhas invulneráveis.

A Esquadra ocorre, em reforço, com as canhoneiras Henrique Martins, Greenhalg e Chuí. O Cmt. Jerônimo Gonçalves, da Henrique Martins, não esperou ordem para agir. Fê-lo, como a situação impunha, por sua própria iniciativa. A reserva de Infantaria, que Osório fizera colocar, em posição de espera, na margem brasileira o 12o Batalhão de linha, não pudera intervir. Tinha uma missão bem definida, mas não pôde cumpri-la, por falta de meios. As seis canoas, postas à sua disposição, estavam sem remos. Entretanto, começou a faltar apoio de fogo aos assaltantes. A luta era, agora, a arma branca. O nosso fogo terminara por deter a ofensiva. Restava aproveitar a situação, para contra-atacar. Os soldados do Batalhão de Engenheiros, armados de sabre-baioneta e de machadinhas, receberam ordem de Cabrita para cooperar no contra-ataque, que ele ordena ao 7o e ao 14o. "Ao toque de carregar", o sabre, a baioneta, a machadinha; e até a navalha, "levam o inimigo de roldão, logrando repeli-lo."

Os novos reforços paraguaios, que continuavam a cruzar o rio, não chegaram mais a tomar pé na ilha. A sua guarnição já dominava completamente a situação, quando o dia clareou. Diaz, que comandava os atacantes, vira-se forçado a ordenar a retirada para Itapiru.

As três canhoneiras da Esquadra se encarregariam do resto, perseguindo e metralhando as embarcações paraguaias que se retiravam, e às 7 horas da manhã, terminada a luta, havia a guarnição da ilha completado o episódio heróico de que participou, para cobrir-se de glória, o nosso Batalhão de Engenheiros.

Depois de outras escaramuças, em que teve parte a Esquadra, cabia, agora, a Cabrita, participar aos chefe as ocorrências da memorável jornada de 10 de abril de 1866. Ele não chegaria, porém, a ter o prêmio dessa ventura. A parte do combate da Ilha da Redenção não chegou a receber a sua assinatura. Ele foi atingido, mortalmente, quando a redigia, por um tiro de um dos canhões de Itapiru.

A morte de Cabrita, que desaparecia, assim, ao tornar-se o herói da Ilha da Redenção, se lhe trouxera a glória maior que pode o autêntico soldado ambicionar, viera enlutar a alma vitoriosa de uma guarnição inteira. Foi profunda a sua repercussão no Exército Brasileiro. Além de ter sido ele o guia destacado daquela jornada gloriosa, o seu nome de militar já era, a essa altura, uma consagração. Ele fora, como Portocarrero e Cunha Mattos, instrutor dos paraguaios, antes da guerra. Havíamos perdido, sem dúvida, um grande chefe, em troca daquela ilha, hoje desaparecida nas águas do rio Paraná.

(Vilagran Cabrita e a engenharia do seu tempo, 1981.)

 

OLAVO BILAC E O SERVIÇO MILITAR

O OUTRO BILAC

O nome completo de Bilac, Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, já formava um perfeito alexandrino, como que a predestiná-lo a fazer da poesia o seu culto permanente. O outro grande culto da sua vida foi o da Pátria. Além de príncipe dos Poetas, ele foi o paladino do Civismo. Menino ainda, nascido num lar todo voltado para a Guerra do Paraguai, onde se encontrava o seu pai, ele evocaria, mais tarde, as emoções, de angústia ou de entusiasmo, com que a família comentava as notícias que vinham do Teatro de Operações, porque lá estava em jogo a sorte do Exército brasileiro, por isso mesmo, o futuro do Brasil.

Em tudo quanto Bilac escreveu, recordando a sua infância, vê-se refletido o fervor do patriotismo na memória dos bons ou maus pressentimentos que lhe assaltavam o espírito de menino, quando começava a imaginar o que significaria para todo o povo brasileiro a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai. A Nação era o povo, na idéia que já lhe acudia ao espírito desde cedo. E o Exército era o povo em armas.

É que a Guerra lhe trazia mais viva a imagem da Pátria, encarnando nela todos os brasileiros empenhados na mesma luta, tanto os soldados, na frente de combate, como por todo o País os que lutavam para apoiá-los, os que vibravam com os seus sucessos e se amarguravam com os seus sofrimentos. Desde então Bilac aprenderia a ver a imagem da Pátria retratada na Bandeira Nacional, que é o seu símbolo augusto. Foi como ele a definiu, bem mais tarde, na letra do Hino à Bandeira, que é da sua autoria.

Depois da Guerra do Paraguai, Bilac seguiu o destino que haveria de notabilizá-lo não apenas como poeta, mas também como admirável orador. Embora procurasse atender ao desejo do pai, cursando as Faculdades de Medicina e de Direito, cedeu, afinal, ao imperativo da sua verdadeira vocação, dedicando-se por inteiro a compor as maravilhosas criações do seu engenho poético. Passou a conviver, na boêmia dos cafés e nas tertúlias literárias, com as figuras mais representativas do Parnasianismo, que iria entardecer, na França, com Heredia, o seu grande ídolo da poesia, ao passo que a vida brasileira mudava de tom, desde as lutas políticas que resultariam na Abolição e na República, esta proclamada sob forte influência dos líderes positivistas.

O prestígio do trono, como a saúde do Imperador, entrava em declínio.

A Guerra viera fortalecer o espírito cívico do Exército e dar-lhe o adestramento profissional do campo de batalha, onde o despreparo e a imprevidência podem ser pagos com a derrota e até com a morte. Depois vieram as comemorações da vitória; voltáramos vencedores do Paraguai. E se seguiram, retumbantes e glorificadoras, as comemorações, até à desmobilização. Já era grande, e ainda cresceu mais, o prestígio dos nossos heróis militares, pelo tributo de gratidão que o povo lhes prestava.

Não tardou, porém, que, passada a motivação dos combates e já não vendo os riscos da falta de preparação militar, o Exército fosse perdendo o entusiasmo pelos seus próprio problemas de organização, à medida que caía numa espécie do marasmo profissional, passando a interessar-se, ou ver-se envolvido, pelos problemas político-partidários que corroíam a disciplina das Forças Armadas. Vieram, então, pronunciamentos militares, a Revolução Federalista, no Sul do País, liderada por Júlio de Castilho, a ela somando-se a Revolta da Armada contra o Governo do Marechal Floriano, do qual foi Bilac um ferrenho adversário, a ponto de ser preso na Fortaleza da Laje e internado em Minas Gerais.

[...]

A partir de 15 de novembro de 1906, Hermes passaria a dirigir o Exército com o firme propósito de reorganizá-lo. Era o Ministro da Guerra do Presidente Afonso Pena e trazia, como objetivo prioritário, a lei da Conscrição Militar e do Sorteio Militar, para tornar possível a mobilização de um Exército de cidadãos-soldados, recrutados em todo o território nacional e em todas as classes sociais. A Confederação do Tiro Brasileiro, por ele criada em 1907, já começava a despertar um grande entusiasmo cívico na juventude, contando com o apoio de eminentes estadistas e de ilustres intelectuais. E isso criaria um clima favorável para a Lei de 4 de janeiro de 1908, que organizava o Serviço Militar Obrigatório, dando-lhe um sentido autenticamente democrático.

Era preciso, porém, passar do texto da Lei para a organização real do Serviço Militar, o que requeria um grande movimento de opinião, uma campanha cívica de âmbito nacional, com o respaldo e o prestigio de grandes líderes intelectuais, políticos e militares, de mãos dadas para a evangelização da mocidade. E foi nesse momento que se iniciou a cruzada cívica de Olavo Bilac, o já famoso poeta da Via-Látea, testemunho, na infância, das glórias que o Exército colheu na Campanha do Paraguai e do quanto mudou de rumo e esmoreceu o seu trabalho de preparação profissional, depois que a vitória fora conquistada e não havia ameaça de guerra. Os problemas eram principalmente de política interna, e os quartéis não se mostravam imunes, como impunha o dever militar, à catequese partidária e às agitações que vinham de fora, através de alguns líderes do Exército. As manobras militares vieram reacender, dentro deles, o espírito profissional, saudado por Bilac.

Ele se empenhava, desde então, para o ressurgimento profissional do Exército e procurava despertar na juventude raízes do espírito cívico nacional, agora que estávamos muito longe daqueles tempos heróicos da Guerra do Paraguai, que Bilac mantinha vivos, tanto nas suas lembranças, como nos livros e artigos em que exaltava os grandes valores da Pátria, procurando contribuir, ao longo da vida, para mantê-los acesos na alma das crianças e no espírito dos jovens brasileiros.

Era como que um outro Bilac, embora sendo sempre o mesmo cidadão, consagrado como glória maior da poesia nacional. O renascimento do Exército brasileiro nas Manobras de Santa Cruz, em 1905, despertara-lhe no espírito o patriotismo que tinha nas veias e se alimentava na perseverança com que procurava infundi-lo na alma das crianças. Ele exaltava, ao mesmo tempo, o papel dos escoteiros. E inaugurava no Brasil, com Coelho Neto, a época da literatura infantil escrevendo para as escolas vários livros de contos, destinados aos adolescentes, com títulos como estes: A Pátria, O Recruta, O Bandeirante, Pátria Nova e Poesias infantis. Eram verdadeiros livros de instrução moral e cívica, certamente menos conhecidos do que os seus maravilhosos versos, mas nem por isso menos lidos pelos que lidavam, no Brasil, com os problemas da Educação.

O ardor com que o aplaudia a juventude era, para Bilac, uma fonte revigoradora da sua crença de patriota, ao mesmo tempo que o seu estro poético, voltado para a beleza e para o amor, enchia de encantamentos os salões literários e sociais por todas as cidades do Brasil.

 

MARATONA CÍVICA

A essa altura de sua vida, no auge da fascinação que exerciam sobre o espírito da juventude a beleza da sua poesia e a força persuasiva da sua palavra, Bilac ainda trazia muito presentes na memória as emoções vividas na infância, quando o pai estava no Teatro de Operações e a família passava os dias presa ao noticiário da guerra. Como homem de letras, tinha grandes afinidades culturais com a França, e acompanhava, também, o que se passava do outro lado do Atlântico, onde a questão do Marrocos reacendia, perigosamente, as hostilidades franco-alemãs. Era o problema da defesa nacional o tema que mais empolgava o espírito dos intelectuais, que não esqueciam o desastre da França na guerra de 1870, agora que viam toda a Europa caminhar para uma nova guerra, com a França militarmente despreparada e sujeita à propaganda pacifista, que lhe tolhia os movimentos de defesa.

Vê-se, então, grande parte da intelectualidade francesa reagir contra o conformismo e o marasmo, levantando as barricadas de uma campanha cívica de advertência e de alerta, que tinha Maurice Barrès como figura central. As preocupações do espírito de Bilac estavam lá e cá, pensando no Brasil e na França, diante do fantasma da guerra que parecia caminhar na nossa direção de povos irmãos e latinos.

Foi quando apareceram na França a Liga da Pátria francesa, conduzida por Barrès e pela maioria dos acadêmicos, e a Liga dos Patriotas, orientada por Paul Déroulède. Surgiram, também, no Brasil, com o apoio de Bilac, a Liga da Defesa Nacional e a Campanha do Serviço Militar, sustentada pela sua pregação oracular, em longo itinerário pelos Estados.

O apostolado cívico a que se dedicou Bilac, de corpo e alma, no período final da sua vida, tem as suas raízes nestes outros traços da sua personalidade humana, no patriotismo que lhe veio do berço e das leituras francesas da sua época; no amor à juventude, cultivado como universitário de Medicina e de Direito, e no desvelado carinho com que ele via, na criança, o cidadão ainda no nascedouro. Por isso ela devia crescer cultuando a imagem da Pátria, na mensagem que transmite sua Bandeira e no culto da sua História.

É o que se vê nesta bela poesia que Bilac dedicou à criança do Brasil:

 

A PÁTRIA

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar, que rios! que floresta!
A Natureza, aqui perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera,
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! Jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece.

Criança! não verás nenhum país como este!
Imita na grandeza a terra em que nasceste!

(Olavo Bilac, Revista Americana, junho de 1915).

 

Também no Hino à Bandeira, cuja letra é da sua autoria, o pensamento de Bilac estava na criança, quando ele escreveu esse verso, na sua primeira versão: "Nosso peito juvenil". Sabe-se que, de início, o hino era cantado assim, embora, no caso dos adultos, o juvenil tenha sido mudado para varonil, com a concordância do próprio Bilac, o que está contado em livro pelo saudoso General Pantaleão Pessoa, que o acompanhou na visita ao quartel do Batalhão Naval, onde o grande poeta do Civismo lhe disse estar ouvindo o seu Hino pela primeira vez, com mudança do adjetivo, o que tinha sua inteira aprovação. Nessa visita feita a 19 de novembro de 1915, o poeta declamou sua Oração à Bandeira.

Sua grande campanha na defesa do Serviço Militar foi feita nas escolas de ensino superior, a começar pela Faculdade de Direito de São Paulo, onde foram impressionantes tanto o silêncio religioso com que foi ouvida a sua lição de Civismo, como as estrondosas aclamações de entusiasmo com que, no fim, os estudantes o saudaram.

Foi lá, no Largo de São Francisco, famoso e tradicional cenário de outros grandes movimentos de idéias, que Bilac iniciou, no dia 9 de outubro de 1915, a sua pregação cívica em defesa do Serviço Militar. A Europa estava em plena guerra, que a Alemanha desencadeara, depois de bem preparar-se, enquanto fazia na França a pregação do pacifismo, que anestesiava o espírito francês, absorvido, como se em tudo reinasse a paz, na discussão de temas filosóficos e literários que seriam interrompidos, de surpresa e cruelmente, pela devastadora invasão alemã.

Nessa guerra, o Brasil, embora despreparado, se alinhara com a França. E foi pensando nas inaceitáveis fraquezas da nossa organização nacional, em hora tão ameaçadora, que Bilac mostrou aos estudantes as nossas vulnerabilidades aos perigos externos e internos, pregando o Serviço Militar com sistema democrático de nivelar todos os cidadãos nas fileiras do Exército, sem privilégios nem discriminações, para trazê-los unidos nas circunstâncias nacionais difíceis, preparados para atender ao chamamento da Pátria.

(Nosso Exército, essa grande escola, 1985.)