Na criação da Academia Brasileira de Letras, coube aos fundadores dessa Instituição a escolha dos patronos das respectivas Cadeiras. Prevaleceu nessa indicação dos patronos o critério da identidade ou semelhança dos gêneros literários, a exemplo de Bilac elegendo Gonçalves Dias, ou de Machado de Assis preferindo a José de Alencar, ou de Oliveira Lima designando Varnhagen. Houve, entretanto, alguns casos em que predominaram sentimentos regionalistas, corno o de Joaquim Nabuco lembrando Maciel Monteiro, o de Lúcio de Mendonça apontando a Fagundes Varela, o do Barão de Loreto sugerindo o nome de Junqueira Freire. Na maioria dessas indicações, não se apagavam de todo as afinidades das tendências literárias, de modo que se pode afirmar que o espírito regionalista teve escassa influência na escolha dos patronos da Academia. Entre as poucas exceções, está o caso da Cadeira 14.
No estudo que publicou a propósito de Franklin Távora, na Revista da Academia, informa Clóvis Beviláqua que, ao ser convidado para figurar entre os fundadores desta Casa, pensara em eleger patrono a Gonçalves Dias, nome que os moços da Faculdade de Direito lhe sugeriram. Bilac, porém, o antecipara na indicação do poeta maranhense. Recorda Clóvis Beviláqua:
Disse eu, então, aos meus jovens amigos, que, na impossibilidade de atender-lhes, me ocorria lembrar-lhes um lidador espiritual de estatura mais modesta, porém de alto mérito, ainda assim, em cuja existência notava um traço de semelhança com a minha. Franklin Távora era um cearense que as contingências da vida haviam trazido para Pernambuco, onde educara o espírito, trabalhara em prol das grandes causas da inteligência e da liberdade, firmando reputação de escritor. Embora os meus esforços não tivessem alcançado êxito, por me faltarem muitas das qualidades brilhantes do ilustre prosador e ardoroso jornalista, era evidente que eu, bisonhamente, ia seguindo o caminho que ele perlustrara com denodo e glória.
Os motivos de semelhança não pararam aí. Ambos formaram seu espírito no Recife e no Recife iniciaram a atividade literária. Outro vínculo entre os dois cearenses era a aproximação com Tobias Barreto, amigo de Clóvis e companheiro de Franklin Távora na redação de um semanário político e literário, O Americano, que circulara entre 1870 e 1871. De ambos se poderia dizer que pertenceram à Escola do Recife, ou ao movimento espiritual que, reunindo tendências diversas, recebera no batismo o nome da cidade em que surgira e se desenvolvera.
Se Franklin Távora e Clóvis Beviláqua se nos afiguram atualmente dissociados pela obra que realizaram, ficando o primeiro com os seus romances e acentuando-se no segundo os pendores jurídicos, o certo é que até a época da fundação desta Academia, não pareciam tão grandes essas distâncias. Franklin Távora havia sido um debatedor de idéias, guerreando D. Vital num semanário maçônico, A Verdade, cuja influência fora considerável, nos dias candentes da questão religiosa. Clóvis Beviláqua não vivia muito afastado dos assuntos literários. A crítica era talvez a sua maior paixão, como nos confessou no prefácio de Épocas e Individualidades, explicando que reunira os ensaios que compunham o volume “porque traduzem um esforço, um trabalho sobre assunto que já foi da predileção do autor, quando as necessidades da vida não lhe impunham despoticamente a direção do espírito”.
Se Clóvis Beviláqua veio mais tarde a absorver-se integralmente nos estudos jurídicos, Franklin Távora nunca se afastou dos ternas e preocupações de sua vocação literária. O que se conhece de sua vida leva-nos a concluir que não teve outra atividade que não fosse a das letras, ou nos livros publicados, ou em revistas que dirigiu, ou auxiliou. Mas nesses domínios exerceu atividade intensa e teve influência e destaque muito maior do que se poderia supor do injusto esquecimento, em que a sua obra e o seu nome se submergem pouco a pouco.
Clóvis Beviláqua, que foi o melhor critico de Franklin Távora, classificou-o como fundador da escola “que se poderia chamar de Naturalismo tradicionalista”. Sílvio Romero acrescentaria: “campesino”, explicando:
Naturalismo porque seus tipos e cenas são estudados do natural, das observações diretas do escritor e não meros filhos da imaginativa; tradicionalista porque o romancista deu quase sempre preferência aos assuntos do passado, nomeadamente do século XVIII, que estudou com carinho; campesino porque escolhia seus atores entre as gentes da roça, do mato, do campo.
José Veríssimo o classificava como um “dos reatores contra a romântica aqui ainda prevalecente, um dos precursores, portanto, do Naturalismo”.
Na obra de Franklin Távora – patrono da Cadeira 14 – a Cadeira que foi de Clóvis Beviláqua e que hoje vos pertence, Sr. Carneiro Leão –, a influência que preponderou foi a do Romantismo. Não erraram os críticos que classificaram Franklin Távora entre os nossos derradeiros românticos. Nem teria ele audácia para enfrentar os preconceitos dominantes no seu tempo, apontando as cenas cruas, que já constituíam as características dos romances realistas e anunciavam, na Literatura do universo, a Idade de Ouro dos instintos. No Brasil, compunha-se o Romantismo, em grande parte, de livros destinados à leitura das famílias. Ficavam, assim, sob a censura dos sentimentos de pudor, de recato, de candura, que inspiravam e quase diria perfumavam os lares daquela época. Franklin Távora, porém, antecipando a escola realista, sentia necessidade de contar o que via, de relatar com naturalidade os assuntos, ou de descrever as suas personagens sem excessos, sem desvarios de imaginação. Era um realista por instinto, todavia sem a força e a intensidade necessárias, para surpreender quadros de sentido mais profundo, ou para descobrir caracteres e personagens, que se libertassem das palavras que os descrevessem, para viver e agir diante de seus leitores, emancipados, autônomos, como as grandes criações literárias. Franklin Távora não teve também um forte sentimento da natureza, embora estejam seus livros cheios de anotações pernambucanas, o aroma do manacá silvestre, os varjados cobertos de cajueiros novos e araçaeiros bravos, os tufos verdes-negros dos mangues, as abóbadas formadas pela copa densa dos ingazeiros. Surpreendeu algumas cenas singelas e expressivas dos costumes locais, as cabrochas de chinelas de marroquim, com vestidos frouxos de chita, cheios de florões estampados, dançando o samba com os cabelos enastrados de jasmins e manjericões, ou perfumados com um raminho de alecrim, que entontecia menos que “riso vergonhoso e a promessa duvidosa”, brincando nos lábios da moça como um desafio – um desses desafios que a inocência também conhece, aprendidos ninguém sabe como. Apesar da objetividade das descrições, as cenas e as personagens se apagam no excesso de virtude, ou na simplicidade da psicologia, em que tudo se reduz a antíteses, a conflitos entre os bons, que são sempre bons, e os maus, que nunca se libertam da maldade. Por isso o Lourenço, que serviu de título a um de seus romances e que foi também o herói fantástico de O Matuto, não dura que a leitura dos dois romances e lá se fica, com os seus companheiros de enredo, mal fechamos o volume em que Franklin Távora nos conta suas interessantes aventuras. O Cabeleira, que todos conhecemos e recordamos, o cangaceiro famigerado e desumano, não é o que Franklin Távora nos descreveu, mas o que o folclore conservou em versos singelos:
Fecha a porta, gente.
Cabeleira aí vem,
Todos fujam dele
Que ele alma não tem.
Corram minha gente,
Cabeleira aí vem,
Ele não vem só
Vem seu pai também.
Ou naquelas quadras em que a nota sofredora explica uma certa reação em favor do bandido:
Quem tiver seus filhos
Saiba os ensinar;
Veja o Cabeleira
Que se vai enforcar.
Adeus, minha mãe,
Ide por mim rezar,
Que lá no outro mundo
Eu irei penar.
Entretanto, apesar dessas considerações, o livro de Franklin Távora a respeito do Cabeleira não está destinado a desaparecer. É uma análise arguta e verídica do fenômeno do banditismo, escrita com admirável compreensão do panorama social que o envolve e explica. Apresenta-o como vítima, ou conseqüência da ignorância e das circunstâncias que o arrastaram; toma tanto interesse pelo Cabeleira, que acaba admitindo o paralelo desse cangaceiro insolente e rude com os heróis galantes de outras literaturas, o Cid e Robin Hood. Acaba o romance de tal maneira conquistado pela figura do bandido, que verbera a pena de morte e censura a Justiça que condenou o Cabeleira “por crimes que tiveram sua principal origem na ignorância e na pobreza”. Crimes de certo monstruosos, mas que não impediram que fosse edificante a morte desse bandido sanguinário. Que sentimentos de humanidade e de elevação moral, os que repontaram nessa alma, que só poderíamos imaginar torva, cruel, implacável!
Essa compreensão dos fatos sociais é a característica da literatura de Franklin Távora e se ajustava muito bem à sua doutrina sobre os deveres de um romancista. Dissera ele: “O romancista moderno deve ser historiador, crítico, político ou filósofo. O romance de fantasia, de pura imaginativa, este não quadra no ideal dos nossos dias.”
Por isso, nos seus melhores romances, reconstituindo o ambiente da Guerra dos Mascates, no começo do século XVIII, não deixa de assinalar seus aspectos fundamentais, no conflito de interesses e de classes. José de Alencar, o grande José de Alencar, por exemplo, não enxergara nesse episódio da história pernambucana, senão um antagonismo de sentimentos bairristas, a luta entre uma cidade engrandecida pelas tradições e um povoado fortalecido pela prosperidade econômica. É certo que aludiu também aos aspectos econômicos e sociais da contenda, mas fê-lo de passagem, quase despreocupadamente e para não deixar de transcrever os historiadores de nota. Mas foi ao ponto de chamar a guerra dos mascates “comédia” e “grotesca revolução”, como se existissem revoluções grotescas e não fossem sempre mais ou menos equivalentes os motivos e fatores de todas elas. Comédias e grotescas podem ser, quando muito, as revoluções não estudadas, ou aquelas em que as causas efetivas do movimento desaparecem, esquecidas, ou desprezadas, sob os artifícios de fatores aparentes.
Na sua incompreensão da Revolução pernambucana, José de Alencar chegou ao disparate de descrevê-la como uma espécie de prélio para dividir, entre os habitantes de Olinda e do Recife, os mariscos dos mangues confrontantes. E para um pouco mais de realce sentimental, ou de intriga mulherenga à luta dos mascates, José de Alencar incluiu nas razões decisivas do levante uma espécie de desafio entre as damas do Recife e de Olinda, envenenadas pela divulgação de versos que as desabonavam. Diziam os poetas do partido olindense:
Todo o mascate é patife,
Labrego, cara de Judas,
E as mulheres do Recife
Têm as pernas cabeludas.
Ao que os poetas do partido recifense respondiam numa quintilha insolente:
Escorridas como um fuso
As damas de Olinda são;
Por fora aquele esparrame,
Por dentro é só armação
De pano, de osso e de arame.
Franklin Távora não se transviou em nenhum desses aspectos burlescos e falsos. Foi objetivo e preciso na sua exposição e na interpretação dos acontecimentos. Disse ele:
Estamos muito distantes dos que nesse memorável movimento querem ver antes um testemunho de ridículos preconceitos, costumes e educação dominantes no século próximo passado, do que a séria colisão de interesses, que ainda em nossos dias podem trazem, achando-se em desacordo, como então se acharam, resultados ainda mais tristes e lastimosos.
Observava ainda: “As pretensões, porém, de que é alma o interesse pecuniário ou a ambição de riquezas, dificilmente se resignam a completa renúncia.”
Por isso mesmo, Franklin Távora, ao descrever o dissídio, insiste na caracterização da divergência de interesses entre os comerciantes e os agricultores, entre os mascates, que eram comissários de açúcar, e a nobreza rural de Olinda, dependente de seus financiadores e guardando sempre a lembrança viva da espoliação, a que não podia escapar. Távora aponta ainda outra razão forte para a emancipação do Recife, mostrando que a fundação da vila iria permitir, com a nomeação de um almotacé, a fixação dos preços pelo comércio da vila recém-criada, o que não deixaria de significar preços baixos para os produtos da terra e preços excessivos e arbitrários para os artigos dos mascates – artigos de importação. E o que é ainda mais interessante, nesses romances de Franklin Távora, é que ele nos descreve fielmente como o conflito acabou, envolvendo, além dos nobres e dos mascates, o que se poderia chamar o povo dos primeiros núcleos de povoamento, o pequeno comércio, o artesanato, os elementos alforriados. Não faltavam cartazes sugestivos para esses interesses, falando a nobreza rural nas reivindicações nativistas e proclamando os mascates promessas de liberdade e de igualdade, na reação contra os privilégios do regime feudal dos latifúndios.
Não parou aí o interesse social de Franklin Távora. Soube também descrever os trabalhos e a miséria dos matutos, dos almocreves e dos lavradores. Espiou, comovido, para o interior daqueles casebres, mobiliados com um banco e uma caixa grosseira, tendo, no canto da salinha, um pote de barro suspenso entre os braços de uma forquilha de pau. Na camarinha escura, para leito de dormida, uma esteira, ou um jirau de varas sobre o chão batido.
“Pobres matutos!”, dirá Franklin Távora. “Quantas vezes, ao ver-vos descalços, mal vestidos e mal passados, não senti apertar-se-me o coração com pena de vós?”
Eis um sentimento novo na Literatura Brasileira. Sob esse aspecto, Franklin Távora se distancia, ou separa de seus companheiros da fase romântica, para antecipar o verdadeiro romance social, impregnado das lutas de classes e dessa preocupação populista, que iria caracterizar o movimento, a que mais tarde se daria o rótulo de Literatura proletária. Movimento que tem hoje atualidade e significação crescentes, como protesto contra a condição da criatura humana, oprimida, humilhada, sacrificada numa ordem social, em que os privilégios econômicos zombam da queda da Bastilha e da inanidade das conquistas políticas.
Clóvis Beviláqua e a Escola do Recife
Clóvis Beviláqua, terminados os preparatórios no Rio de Janeiro, foi para Recife em 1878, matriculando-se na Faculdade de Direito da capital pernambucana. Não encontrou mais no Recife seu conterrâneo Franklin Távora, que desde 1875 se fixara na capital do Império, como funcionário da Secretaria de Estado.
Em 1878, a famosa Escola do Recife havia concluído primeiro período de sua atividade criadora, o da Poesia. Já havia silenciado a voz arrebatadora de Castro Alves; Tobias Barreto, nessa época, raramente escrevia versos. De 1870 a 1877, ou 1878, corria, segundo mestre Sílvio Romero, a segunda fase da Escola do Recife, a crítico-filosófica, a que deveria suceder, sob a influência do concurso de Tobias Barreto, o período jurídico-filosófico.
Quem dominava a cena, nessa época, e de maneira absorvente e incontestável, era realmente Tobias Barreto com o prestígio de sua poesia e de suas polêmicas e a publicação dos Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica. Muito antes do concurso para professor da Faculdade de Direito, já os seus colegas de estudo o proclamavam “imensamente popular no Recife”. Mas depois do concurso é que ele se torna o senhor, o déspota indiscutido de uma juventude entusiástica.
Seria exagero dizer que Tobias Barreto revelara aos moços da Faculdade de Direito os segredos da filosofia. O assunto estava na ordem do dia, fascinava todos os espíritos, com o interesse que lhe era atribuído pela formação de verdadeiros partidos filosóficos, defendendo os seus ídolos com o mesmo ardor, que hoje despendem em preocupações esportivas, exaltando clubes de futebol. Lutava-se apaixonadamente pelo positivismo de Comte, pela dissidência de Littré, pelo evolucionismo de Spencer, pelo materialismo, pela ortodoxia cristã. Como professor da Faculdade de Direito, coube a Tobias Barreto atrair para os estudos jurídicos o interesse vibrante dessa mocidade, proporcionando-lhe maravilhosos panoramas, em que as regras e os princípios da ciência de Papiniano se ligavam aos temas universais. E não era só a inspiração filosófica que deslumbrava, mas também a paixão que se traduzia na palavra e nos gestos desordenados, que menos ensinavam do que pregavam a boa-nova da verdade filosófica, que parecia definitiva e irrefutável. A aula de Tobias Barreto não era bem uma lição, mas uma batalha, de certo que incruenta, embora cheia de imprecações, de tumulto, de movimentos, como se duas teses, armadas em guerra, disputassem o campo usando, em vez dos argumentos e dos raciocínios tranqüilos, os floretes, os sabres, os tacapes, ou os bacamartes de legionários destemidos. Tudo isso, porém, através da palavra arrebatada de um orador de talento, que podia citar os autores mais recentes de todos os países e investir, impiedoso e desabusado, contra o saber de adversários famosos, ferindo-os, mutilando-os, destruindo-os, com o brilho de sua cultura, ou com a violência de seus sarcasmos.
Que podia fazer, diante desse dominador de inteligências, aquele cearense exilado em Recife e que os seus amigos nos descreviam como um “rapazinho baixo, moreno, pálido, atarracado, cabelo muito corredio e emborcado sobre a nuca, olhar meigo, melancólico, tímido”? Que podia fazer senão render-se à influência fascinadora do filósofo-jurista, que de porrete em punho pregava, com eloqüência e cultura, as verdades da nova ciência?
Filia-se Clóvis Beviláqua à escola de Tobias Barreto; segue-lhe as doutrinas. Compelido por essa força impetuosa, embrenha-se, pouco a pouco, nos estudos filosóficos e jurídicos, desamparando preocupações literárias, que de começo o haviam atraído aos caminhos da crítica, que de resto não andavam muito afastados da ciência, nos livros e na escola de Hipólito Taine. Mas a personalidade de Clóvis Beviláqua não desaparece, não se deixa arrastar a uma imitação servil. Ele já possui, desde esses verdes anos, o segredo da resistância dos homens mansos, que se não extraviam e não se enfraquecem nos gestos desabusados e nas palavras arrogantes. Por isso Araripe Júnior, seu companheiro e amigo desde o Ceará, poderia escrever, com aquela acuidade que o tornou um dos melhores críticos brasileiros:
“A obra de Tobias, em suas mãos, humanizou-se. A Filosofia moderna saiu das regiões dos trovões e das tempestades, para penetrar nos amenos vergéis da temperança e do amor.”
Convém assinalar que entre Clóvis Beviláqua e Tobias Barreto não havia, nem podia haver, nenhum elemento de atração, ou de simpatia pessoal. Só o culto da ciência, a conformidade das convicções filosóficas os aproximou. De seu lado, Tobias não chegou a disfarçar uma tal ou qual hostilidade ao jovem cearense, já então professor de filosofia no curso anexo da Faculdade de Direito. Na História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero havia citado, entre os escritores de valor, na geração nova do Recife, Aníbal Falcão e Clóvis Beviláqua. Tobias não gostou da referência e para que não parecesse que cedia a algum ressentimento pessoal, lembrou que Clóvis Beviláqua o elogiara em 1882. Apesar disso, Tobias Barreto, escrevendo a Sílvio Romero, perguntava: “Quer saber qual o meu juízo sobre ele? Clóvis não vale nada.”
Segundo Tobias, entre os moços que estavam aparecendo em Recife, só havia dois aproveitáveis: Artur Orlando e Martins Júnior. Mas não conservou por muito tempo essa opinião favorável. Um dia lhe foram contar que Martins Júnior estava nas boas graças de José Higino, a quem Tobias Barreto detestava. Acrescentaram que Martins Júnior falaram mal dele, Tobias. E foi o bastante. Numa nova carta, escrita poucos meses depois da outra, Tobias Barreto revogava os louvores e se referia a Martins Júnior exclamando: “É um boboete, Sr. Sílvio!”
Que reza hoje, dessas expressões? Que valem tais palavras? Não servem para a biografia de Clóvis Beviláqua ou de Martins Júnior. Elucidam apenas aspectos da psicologia de Tobias Barreto, indicam as paixões que o avassalavam, se é que não revelam, na fase final da existência do polemista sergipano, a ação devastadora dos sofrimentos que o pungiam e a amargura sem remédio da alma intrépida e orgulhosa, que de repente se defronta com a inanidade das recompensas humanas, no derradeiro quartel de sua vida, quando o pensamento já não sabe fugir à preocupação obsessora da eternidade.
Clóvis Beviláqua e a Metafísica
Observastes, em vosso discurso, Sr. Carneiro Leão, que Clóvis Beviláqua, libertando-se de todas as influências, inclusive a de Tobias, orientara-se, com entusiasmo crescente, para o eticismo jurídico, para a subordinação do Direito aos princípios da Moral. “Aqui, pelo menos”, dissestes, “ele se distancia do causalismo materialista.”
A anotação é exata. Numa de suas últimas páginas, a admirável oração de paraninfo, irradiada de sua residência a 12 dezembro de 1942, Clóvis Beviláqua pregava a necessidade de maior influência do sentimento altruístico na regra jurídica, embora recomendasse que a evolução social, que nos vai conduzindo nesse sentido, fosse impulsionada e dirigida “com o critério da Psicologia e da Sociologia”. E dava então aos moços esse conselho, em que de algum modo se espelhava a sua existência modesta e a pregação heróica de sua vida:
“Eis um belo objetivo para os moços, que têm preparo jurídico: desenvolver o elemento ético do Direito, com a segurança de quem está cumprindo um dever social, estimular a saturação ética do Direito.”
Não me parece, entretanto, que esses conceitos anunciem, ou revelem modificações substanciais no pensamento filosófico de Clóvis Beviláqua, que nunca se preocupou com subordinação de suas idéias ao rigor de escolas ou sistemas rígidos. Nem nos devemos impressionar, na investigação das tendências filosóficas de qualquer autor, com o ateísmo, que muitas vezes corresponde, não a uma convicção doutrinária, mas a um temperamento, a uma educação.
O materialismo de Clóvis Beviláqua nunca foi sistemático, intransigente, mesmo porque seria impossível, a um homem sincero e dasapaixonado, conservar-se rigorosamente materialista, diante de tantos fenômenos e realidades que escapam às explicações restritas dessa doutrina filosófica. Tobias Barreto, muito mais radical do que o ensaísta cearense, não soube esconder, todavia, que “o Monismo filosófico é conciliável com a teleologia, não tem horror às causas finais; ao passo que o Naturalismo só admite as causas eficientes e crê poder com elas fazer todas as despesas da explicação científica”. Apoiando-se em Kant, Tobias Barreto achava que a concepção mecânica não podia abranger todos os fenômenos, quando se tratava de organismos mais desenvolvidos e funções mais complicadas. “Eis por que”, concluía ele, “tratando-se de lei geral do movimento, importa adicionar-lhe a do desenvolvimento”.
Clóvis Beviláqua foi mais longe. Já na concepção do Direito, abrira créditos largos ao finalismo de Von Ihering. Em Estudos Jurídicos, apontava a consciência jurídica como “a expressão mais pura do Direito”. Considerava aceitável a doutrina de Stammler, que via na obra da civilização uma realidade guiada por idealidades, que ele nos descrevia como “cristalizações da cultura moral”.
Ao comentar, em Juristas Filósofos, a tese de Hermann Post, segundo a qual a vida cósmica apresenta dupla modalidade existencial – o movimento e o sentimento – observava que o movimento e o sentimento “eram dois momentos do mesmo fato, duas manifestações da mesma energia”. O Dr. Post não se oporia a isto, mas achava que entre esses dois domínios se rasgava abismo insuperável; que não podia existir entre eles base comum, pois que marchavam em completa congruência; entretanto só a Metafísica conseguiria entrevê-la e ele não desejava ir até lá. “Por mim”, dizia Clóvis, “não teria escrúpulo de lançar a ponte de uma inferência lógica sobre esses dois domínios, embora penetrasse no campo que não é propriamente da experiência e da observação, mas que a margina em íntima contigüidade”.
Na prova escrita de seu concurso para a cadeira de Filosofia na Faculdade de Recife, coube a Clóvis Beviláqua desenvolver o tema “Conceito antigo e conceito moderno da metafísica”. Assunto decerto não-belicoso, em qualquer país do mundo, mas terrivelmente delicado nesse Recife tão cheio de sentimentos explosivos. Treze anos antes dessa prova, Sílvio Romero defendera tese nessa mesma Faculdade de Direito do Recife. Respondendo a um aparte de Coelho Rodrigues, afirmara peremptório, com a certeza que não costuma faltar aos 24 anos:
– A Metafisica não existe mais, Senhor Doutor, se não sabia, saiba.
Coelho Rodrigues retruca, irônico:
– Não sabia.
Mas Sílvio Romero cresce então na veemência:
– Pois vá estudar e aprender, para saber que a Metafísica está morta.
– Foi o senhor que a matou? – pergunta-lhe então o Professor Coelho Rodrigues.
– Foi o progresso, foi a civilização – responde-lhe o bacharel Sílvio Romero que, ato contínuo, se ergue, toma dos livros que estavam sobre a mesa e grita:
– Não estou para aturar esta corja de ignorantes, que não sabem nada.
E retirou-se vociferando, pela sala afora.
Pois bem, treze anos depois desse atestado de óbito, na sua prova escrita para o concurso de filosofia, Clóvis Beviláqua, depois de notar que o Monismo filosófico de Ludwig Noiré é pura Metafísica e que o Materialismo idealista de Mill e Bain tem alguma coisa de metafísico, aceita de Morseli, advogando a substituição da Metafísica pela metempirica de Lewes – que abrange o que está além de experiência. E citava Littré, segundo o qual a “imensidade se prende aos nossos conhecimentos por laços estreitos e por essa aliança se torna numa idéia positiva e da mesma ordem, apresentando-se a nós sob o duplo caráter da realidade e inacessibilidade. É um oceano que vem bater nossas e para o qual nós não temos barco nem vela, mas cuja lúcida visão é tão salutar quanto formidável”. Conceitos que Clóvis Beviláqua achava de comentar nestas outras palavras não menos belas:
A inteligência humana não pode, por muito tempo, conservar-se ajoujada a esse leito de Procusto, que lhe marcou o Positivismo. Uma força insuperável a impele a sondar o abismo que se abre ante seus olhos, uma força insuperável acompanhará o espírito, até quando chegar o momento de lhe serem desvendados todos os mistérios da natureza. E chegaremos até lá? É duvidoso, ou antes, é impossível.
Não seria exagero dizer que Clóvis Beviláqua foi menos um materialista convicto do que um idealista que se ignorou a si mesmo. Não teve, talvez, coragem para olhar de perto aquele oceano deslumbrante, a que Littré se referira.
Não nos admiremos, todavia, se se conservou agnóstico esse homem simples e místico, que tanto precisava de crer. Vede como tudo que se aproximou de sua vida se converteu em artigo de fé, desde o Direito, a que ele se devotou como um apóstolo, até as criaturas de sua afeição, a esposa e filhas, a que ele amou com humildade e devotamento, com um sentimento que estaria mais na ordem dos cultos e das religiões, que das precárias amizades terrenas.
Somos feitos assim. Quando nos libertamos de um dogma é quase sempre para servir a outro. Deixam as religiões em seu lugar novas crenças, que correspondem a necessidades inelutáveis. A fé espreita todas as almas, como uma fatalidade. Bem-aventurados os que a sabem, ou podem encontrar, no límpido azul dos céus insondáveis.
Como se vê, não houve alteração fundamental nas idéias de Clóvis Beviláqua, no decurso dos oitenta anos de sua vida.
Revelam os escritos da mocidade o equilíbrio, a serenidade, a tolerância de um pensamento amadurecido, como os trabalhos de octogenário conservam o calor e a confiança das esperanças da juventude. Clóvis Beviláqua viveu para o serviço de suas doutrinas, numa pregação tranqüila e constante, em que a suavidade da frase e o espírito de compreensão não permitiam duvidar da força invencível de suas convicções. Pode-se dizer que nunca mudou de escola filosófica; nunca perdeu a fé na ciência jurídica, que ele continuava a ensinar e a defender como nos dias distantes de suas primeiras aulas do Recife. Que têmpera prodigiosa a desse espírito e a desse coração, que se conservaram imutáveis diante das forças variáveis, incertas, caprichosas, que compõem o drama da existência humana! Dir-se-ia um rochedo, suportando indiferente o arremesso das ondas bravias, o ímpeto das correntes furiosas, a insídia dos torvelinhos imprevistos. Dir-se-ia um rochedo se houvesse alguém que menos parecesse com um rochedo do que aquele homem suave, que passava pelas ruas com um sorriso constante nos olhos mansos, andando vagarosamente, sempre muito bem-posto na sua roupa austera. Os que o conheceram quando moço, ao descrevê-lo, não sabiam evitar a referência à sua bondade. Araripe Júnior falava no seu olhar “meigo”. Sousa Bandeira dizia:
Não me podem vir à lembrança os saudosos tempos acadêmicos sem que se me apresente ao espírito a figura simpática de Clóvis Beviláqua, o “meigo Clóvis”, como lhe chamávamos, com a sua fisionomia insinuante e calma, os seus gestos um tanto esquivos, sua disposição excepcional para o trabalho, graças ao qual, como um verdadeiro beneditino, pôde acumular lenta e pacientemente os materiais. de uma grande erudição. A firmeza de seu caráter, seu procedimento reto e honesto faziam dele, no nosso meio, um como irmão mais velho, que acalmava os nossos ímpetos juvenis, robustecia a nossa fé no futuro, fortalecia o nosso espírito nos desfalecimentos.
Esse o Clóvis Beviláqua dos vinte, como dos oitenta anos. Apenas não se enganassem com o “meigo Clóvis”. Não seria, decerto, um provocador de lutas, não faria como Tobias Barreto, que parecia trazer consigo um cartaz de desafio permanente aos valientes da Filosofia, do Direito ou da Literatura. Mas não seria também homem para ceder de suas convicções, ou para fugir das batalhas em que o envolvessem. A discussão do Código Civil veio demonstrar o que havia de firmeza heróica no seu caráter. Admito que ele houvesse recusado o convite de Epitácio Pessoa, para a elaboração do projeto do Código Civil, se pudesse prever as paixões tempestuosas, que os trabalhos de codificação iriam desencadear entre os mestres de nosso Direito. Mas os acontecimentos o arrastaram e ele soube enfrentar os críticos, revelando, na indulgência com que os tratava e na cortesia de suas respostas, que não tinha, na coorte de polemistas mais ou menos ásperos, que o acometiam, ninguém que o excedesse na superioridade moral. Apenas repontada, aqui e ali, uma queixa melancólica, a estranheza diante da violência das críticas, o espanto com que via desviar-se, para os domínios lingüísticos, um debate concernente à fixação das normas de nosso Direito Civil. Não pôde deixar, entretanto, de recordar o velho Cícero, que em Pro Murena sustentava que “a ciência do Direito é coisa bem mesquinha; reside, principalmente, em questões de ortografia e pontuação”. Mesmo citando Cícero, não procura tirar conseqüências satíricas dessa frase tão oportuna naquela época; contesta-a sem amarguras, salientando a eterna beleza da ciência jurídica. Foi, decerto, nessa conflagração provocada pelo projeto do Código Civil, que Clóvis Beviláqua conquistou, definitivamente, a sua auréola de santidade leiga.
O eminente civilista Solidônio Leite, que freqüentara a casa de Clóvis Beviláqua nesse período da elaboração do Código Civil, falou-me diversas vezes da impressão que lhe deixara o mestre cearense, nesses dias tormentosos. Recordava os prodígios de sua memória, que tinha presentes, em todos os momentos, o texto dos outros códigos e a lição dos juristas. O que mais impressionava, entretanto, era a indulgência com que recebia os ataques e as censuras. Em tudo e por tudo um santo, um santo moderno, que não precisava ser queimado vivo numa cruz de madeira, ou corrido a pedradas, pois que encontrava na própria vida suplícios mais dolorosos, exigindo de sua alma sensível renovados milagres de resignação. Suponho, por isso, que se perguntassem a Clóvis Beviláqua qual o seu maior desejo, responderia, apenas, com uma palavra singela:
– Perdoar!
Perdoar e compreender, ou melhor, compreender e perdoar. Por isso as suas páginas de crítica literária, ou filosóficas, são admiráveis, na interpretação dos autores, pela simpatia que as inspira. Se as ciências jurídicas não o houvessem aprisionado, para colocá-lo entre os nossos grandes civilistas, junto a Teixeira de Freitas e a Lafayette, poderíamos ter encontrado no autor de Épocas e Individualidades um dos grandes críticos brasileiros. Em Juristas Filósofos soube estudar Tobias Barreto com uma tal justeza de conceitos e tão profunda inteligência, que não sei de retrato mais fiel do filósofo sergipano. Receio apenas que Clóvis Beviláqua pudesse incorrer em pecados veniais de excessiva benevolência, sobretudo se começassem a descobrir como eram fáceis e tentadores os caminhos de sua ternura.
Como vedes, volto sempre a esse tema e não sei evitá-lo. A vida de Clóvis Beviláqua se me afigura um capitulo a incluir em Peregrinações Franciscanas e a exigir um Joergensen, com os olhos ainda deslumbrados pela suavidade das paisagens da úmbria e a memória cheia das palavras dos Fioretti. Vida, meus senhores, para ser descrita e entendida como se fosse um colóquio com São Francisco de Assis.
Exagero? Creio que não, no mais profundo da minha sinceridade. E chego até a pensar que foi assim também que o julgaram aqueles pombos que, no dia da morte de Clóvis Beviláqua, invadiram o seu quarto e voaram sobre o seu cadáver ainda morno, pousando junto da mão imóvel, que tantas vezes os afagara e os alimentara.
Vindes, Sr. Carneiro Leão, dessa mesma Escola do Recife, onde já encontramos os vossos antecessores na Cadeira 14, o patrono Franklin Távora e o fundador Clóvis Beviláqua. Não vos assusteis, entretanto, supondo que vos apresentarei como um contemporâneo de Clóvis Beviláqua, ou de Franklin Távora. Se há quem não esteja a respeito informado, fique desde logo prevenido de que tendes apenas a idade que pareceis ter; e já estamos vendo que não é muito, ou que então os solteiros se conservam, como diria, e provaria, o nosso eminente confrade, Sr. Ataulfo de Paiva.
Vossa ligação com a Escola do Recife se firmou através de vosso tio Laurindo Leão, pai de nosso companheiro, Sr. Múcio Leão. Laurindo Leão formara-se em Direito, na turma de 1880. Presenciara os combates e façanhas de Tobias Barreto, entusiasmando-se pelos estudos filosóficos. Figurara em concursos de retórica e de filosofia, no Curso Anexo da Faculdade de Direito, sem obter, entretanto, a cátedra disputada. Em 1891, porém, fora nomeado professor substituto daquela Faculdade, passando, em 1902, a catedrático de filosofia. Era um homem sonhador, apaixonado e generoso, querido de todos os seus alunos, embora não possuísse aquele raro dom de proselitismo, que tornara Tobias Barreto capitão das hostes filosóficas do Recife. Laurindo Leão acumulava seu prodigioso saber em páginas, que pareciam anotações ou esquemas, para desenvolvimento futuro, o que as tornava de entendimento difícil para quem iniciasse estudos filosóficos. Gostava de isolar-se entre os livros da biblioteca da Faculdade, embora prejudicando contactos mais freqüentes com a juventude acadêmica. Daí a diferença da influência entre os dois filósofos, sem que houvesse discordância profunda entre o Monismo do professor sergipano e o Fenomenismo de Laurindo Leão.
Os vínculos do parentesco supriram, ou substituíram, no vosso caso, a força de proselitismo, que faltava a Laurindo Leão. Sentistes o dever de estudar melhor a disciplina que ele doutrinava. E a filosofia vos empolgou, levando-vos ao extremo do desprezo pela Poesia, que aprendestes em casa, ouvindo os versos tão líricos de vosso pai, Antonio Carlos Carneiro Leão. O rompimento com a Poesia foi de tal maneira peremptório e decidido, que resolvestes esconder para sempre os poemas já escritos, por mais que essa rude deliberação pudesse magoar o coração de suaves musas recifenses. Tínheis dezessete ou dezoito anos, idade em que ainda se pode ser cruel.
Vosso espírito, entretanto, era demasiadamente objetivo e não se deixava monopolizar pelas especulações filosóficas. E sucedeu que a reunião do Primeiro Congresso de Estudantes vos trouxe a São Paulo, como representante da terceira série do curso jurídico da Faculdade do Recife. Tivestes que fazer uma conferência no salão nobre do Ginásio de São Bento, naquela cidade. E que assunto escolhestes para esse trabalho, que depois divulgastes num volume? O titulo no-lo dirá: “Educação”. O lema adotado vinha de Leibnitz: “Dai-me a educação das crianças que transformarei a face do mundo dentro de um século.” Confessastes, na explicação com que antecedestes a publicação desse trabalho de quase adolescente: “E assim escolhi o tema que mais palpitante me pareceu.”
Quem sabe se não foi ainda a filosofia que vos inspirou essa preferência? Esse primeiro volume já revela a preocupação de situar o problema educacional em face da causalidade materialista. E a vossa atitude não é de subordinação, mas de revolta decidida contra os mestres do evolucionismo, pois que afirmais a supremacia absoluta da educação sobre os fenômenos de hereditariedade e as condições mesológicas, no processo da elaboração social. Levastes tão longe a vossa autonomia, que chegastes a tomar atitude em correspondência com a reação espiritualista de Farias Brito, escrevendo:
Se fossem coerentes os materialistas, se fossem filósofos, pois a filosofia é a coerência, haviam de notar que a educação é a adaptação. Não a adaptação às sórdidas conveniências sociais, mas o congraçamento perfeito, a união indestrutível com a verdade. O indivíduo, que se educa, prepara-se para ascender à felicidade pois, à medida, que o seu espírito diferencia mais e mais a verdade do erro pelo conhecimento da primeira, no dizer de Farias Brito – a representação real da existência na consciência, ele foge deste, e procura aquela, em virtude da atração natural pelo gozo e repulsão pela dor.
Pela educação explicastes as transformações sociais do Japão, como atribuístes a esse mesmo fator a pujança da civilização dos Estados Unidos. Combatestes também as teses, que faziam da raça o fator principal do êxito de uma nação. Por isso afirmastes a vossa confiança no Brasil, uma vez que soubéssemos dar o valor devido aos problemas educacionais, visando à harmonia da cultura individual e o progresso da sociedade.
Assim foi que aparecestes nas letras, Sr. Carneiro Leão. Já podemos calcular, pela seriedade dos temas e pela segurança da cultura, que éreis então, com 18 anos, austero e sisudo, talvez com esse ligeiro toque de superioridade, que ainda hoje tendes e que os que vos conhecem de perto sabem que não é arrogância. Ao contrário, tendes mais de tímido do que de soberbo. Pertenceis a essa categoria, muito conhecida dos que já se demoraram no velho Stendhal, a dos que dissimulam a timidez com um pouco de desafio, ou de provocação. Tática realmente frutuosa, pois que serve para enganar os outros e às vezes consegue iludir os donos frágeis dessas aparências altaneiras. Perdoai, Sr. Carneiro Leão, se houve qualquer coisa de indiscreto na referência, mas estou entre os que supõem que um pouco de timidez não faz mal aos doutores. E que mal vos fez, a vós mesmo, esse pouco de timidez? Não impediu que tornásseis vossa existência um nobre apostolado, em que a bravura da ação só é excedida pela grandeza das renúncias.
Com esse livro dos 18 anos, traçastes o programa de toda a vossa existência. E não houve circunstância, nem contingências que vos afastassem da linha de conduta e dos ideais a que resolvestes servir. Surgem os programas, em geral, para codificação do que se não vai fazer. São como projetos de estradas traçados antes do reconhecimento da região, o que explica a necessidade de contornar algumas montanhas ou de admitir os lanços de viadutos sobre abismos inesperados. Entretanto, no vosso caso, a fé pôde mais que as montanhas e que os abismos. Como aquele Cavaleiro Pobre de que fala o poeta, e sois também, como ele, e para honra vossa, um herói romântico, levastes toda a vida:
E fiel à Visão e seu amor fiel.
Combatestes, sem tréguas, pelo vosso ideal. Sete anos depois dessa conferência no salão nobre do Ginásio de São Bento, publicastes um volume: O Brasil e a Educação Popular. Três anos depois, em 1919, aparece o livro Problemas de Educação. E com uma regularidade surpreendente vêm chegando os outros volumes de vossa campanha, Os Deveres das Novas Gerações Brasileiras, O Ensino na Capital da República, Palavras de Fé, A Organização da Educação em Pernambuco, O Ensino das Línguas Vivas, Tendências e Diretrizes da Escola Secundária, Introdução à Administração Escolar, A Educação nos Estados-Unidos, Ideais e Preocupações de uma Época, Planejar e Agir, A Educação para o após Guerra. Recapitulo, apenas, os títulos dos livros. São quatorze volumes dentro da mesma seqüência de idéias e das mesmas preocupações do livro dos 18 anos. É a mesma campanha encarada sob todos os aspectos, mas com absoluta firmeza e coerência nos pensamentos diretores.
Algumas vezes parecestes sair desses assuntos. Há dois livros vossos, e excelentes, que poderiam autorizar essa suposição: Sociedade Rural e Fundamentos da Sociologia. O primeiro, se descreve o ambiente da vida do campo, é para indicar imediatamente os planos convenientes, na educação rural. Na Sociologia, o que vos preocupa é sempre esse problema educacional. Fostes o autor da primeira reforma, que incluiu no currículo das escolas de professores o estudo experimental da Sociologia. Mas não devemos esquecer o que dissestes:
“Era mister estudarmo-nos e conhecermo-nos para educarmo-nos com segurança científica no sentido de nossa própria civilização. Nenhuma disciplina mais adequada à orientação de tais objetivos do que a Sociologia”.
De permeio com os livros, escrevíeis artigos na imprensa, fazíeis conferências. Duas vezes fostes também chamado para a realização de vossas idéias no plano administrativo, como Diretor Geral da Instrução do Distrito Federal e autor da reforma que organizou, em 1928, a Educação no Estado de Pernambuco. Da seriedade e significação desta reforma nos fala uma circunstância muito expressiva: é que ela sobreviveu a uma revolução. De vossos trabalhos no Distrito Federal, disse o vosso conspícuo sucessor, o Sr. Fernando de Azevedo, que depois de aludir aos vossos “esforços renovadores” e ao vosso “alto espírito de educador, digno de todas as homenagens pelos serviços prestados no cargo a que deu brilho numa atividade infatigável de quatro anos”, acrescentou:
Em sua administração fecunda de realizações, embora isoladas, que nem sempre obtiveram a repercussão equivalente ao seu esforço empreendedor, ele tinha, na divulgação de idéias modernas, o gesto largo e compreensivo do semeador, que sabe que algumas sementes se perderão, enquanto outras florescerão magnificamente, produzindo frutos esplêndidos.
Outro diretor de instrução, não menos ilustre, o Sr. Anísio Teixeira, escrevia a vosso respeito:
Carneiro Leão fez, durante quatro anos, verdadeira obra de administração escolar, inovando, reconstruindo e desenvolvendo, nos seus elementos fundamentais, a escola pública que, em suas mãos, era um organismo vivo, capaz de crescer e aperfeiçoar-se indefinidamente, mesmo que lhe faltassem os recursos legislativos que apressam, ou consolidam a obra de reajustamento e evolução.
Essa a opinião de vossos sucessores, na Diretoria de Instrução do Distrito Federal. Também não foram escassos os louvores aos vossos livros. Fundamentos da Sociologia tiveram palavras de elogio de Sorokin, Carle Zimmerman, George Dumas, Henri Wallon, P.A. Martin, J. Medina Echavarria. Vosso volume sobre a Sociedade Rural vos elevou à situação honrosa de redator (contributing editor) da excelente revista americana Rural Sociology, órgão oficial da Rural Sociology Society. Como a edição francesa do vosso L’enseignement des Langues Vivantes mereceu pareceres expressivos e valiosos de autoridades da significação de Ferdinand Brunot, H. Pernot, L. Marchand, H. Bounet, Maurice Roy, G. Varenne, Georges Ascoli, G. Roger, E. Guntsch, Hans Frerk, Ernesto Nelson, Florence Baker, etc.
Permiti que vos diga, entretanto, que mais importante ou significativo que todos esses elogios é o merecimento da obra educacional, que vindes realizando. Não fostes, decerto, o primeiro a escrever sobre a educação. Antes de vós poderiam ser apontados, entre os mais ilustres, e para citar apenas as culminâncias, José Liberato Barroso, Antonio de Almeida Oliveira, Tavares Bastos, Leôncio de Carvalho, Rui Barbosa, Souza Bandeira, José Veríssimo. Tivestes ao vosso lado companheiros de campanha como Victor Viana, Frota Pessoa, José Augusto, Licínio Cardoso, Afrânio Peixoto, Heitor Lira, Mário Pinto Serva, Paulo Pestana. A lista dos que vêm continuando a peleja não seria menos ilustre. Já lembrei Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Seria de justiça citar também Delgado de Carvalho, Sud Menucci, Lourenço Filho, Teixeira de Freitas, Everardo Backeuser, Renato Jardim, Isaías Alves, Venâncio Filho, Padre Arlindo Vieira, Celso Kelly, Leoni Rasef. E ainda estou correndo o risco muito sério de pecar por omissão.
No meio de todos eles, Sr. Carneiro Leão, figurais com excepcional destaque. Os serviços que vindes prestando à causa da Educação não se distinguem apenas pela Cultura, pelo vigor da análise, pela amplitude dos temas versados.
Há que referir também a vossa dedicação absoluta à campanha educacional. Tendes vivido no domínio espiritual como num regime de monogamia e podeis exibir o merecimento de uma perfeita fidelidade aos problemas da educação, fidelidade tão difícil nesse domínio como em todos os outros. Só o prestígio de um grande ideal ou o poder de um amor veemente conseguem explicar esses milagres, com uma natureza humana tão fraca exposta a tentações tão fortes. Quem sabe dos sorrisos com que se apresentaram diante de vós os outros temas do saber e da Cultura? Que promessas vos fizeram? Mas a verdade está patente em vossos livros: resististes a tudo, a sorrisos, a olhares, a gestos, a palavras. Vencestes, se cabe tal vocábulo neste domínio, como nos outros, quando sabemos que os prêmios mais amáveis são companheiros das derrotas.
Por essa atitude de Parsifal, já num banquete que vos foi oferecido, em 1917, pelo professorado paulista, ouvistes do orador dos manifestantes, o valoroso professor João Lourenço Rodrigues, as seguintes palavras, para explicação da gratidão que vos era devida:
“Sem auxílio, sem subvenções de qualquer espécie, viestes a São Paulo e aqui ficastes cerca de um mês, para realizar a série de conferências que agora fixastes em um livro.”
E assim agistes sempre, oferecendo à vossa campanha todo o vosso tempo, todo o vosso entusiasmo. Por isso vos dizia ainda esse orador do professorado paulista:
“Bateis-vos pela educação do povo e reproduzis numa outra esfera a campanha de Bilac.”
O que o nosso companheiro, Sr. Celso Vieira, descrevia com o vigor e o relevo de seu estilo:
E oito anos há que perlustra as capitais brasileiras, dirigindo apelos oratórios e escritos aos governantes, às mulheres, aos sacerdotes, aos homens de boa vontade em prol da educação popular, tanto vale dizer da nossa humanização, pois nada confunde homens e brutos sob a mesma tirania dos instintos como o analfabetismo. Há oito anos ele discursa com intrepidez e escreve sem fadigas sobre educação na Paraíba e Pernambuco, em São Paulo, no Rio. Vai de uma a outra cidade, inquieto, no alvoroço dos seus ideais, pregando a boa nova das primeiras letras, a bem-aventurança do jardim-escola, das lições ao ar livre e da cartilha maternal.
Sobretudo a boa nova da necessidade de educação, dos benefícios que ela poderia fazer ao país, se orientada no sentido de nossa grandeza e de nossa prosperidade. Não há, talvez, idéia mais nítida e demoradamente exposta em vossas obras, que a da precariedade da simples alfabetização. Se dizeis que “hoje se pode medir o valor de um país pelo cuidado que ele tem na educação popular” – é preciso compreender esse conceito dentro de vossa tese fundamental:
“Educar não é ensinar apenas a escrever e a ler. É formar, desenvolver e dirigir as aptidões individuais, melhorando-as, dando-lhes possibilidades novas, adaptando-as às exigências do momento e do meio.”
Esse pensamento como que orienta todos os vossos livros. Não deixastes de lembrar, sempre e sempre, que a escola é “oficina onde se vai forjar o povo para a luta pela vida”. A escola se torna, assim, “organizadora social para a vida que as necessidades sociais nos impõem”. O que só se poderá conseguir através do estágio de sete anos na escola primária, que se deve articular com o ensino profissional e o normal, para conjugação dos esforços comuns. Mais importante do que tudo, porém, é a reforma da escola primária, porque, como escrevestes:
“Estou certo de que é na escola primária assim orientada, que se vai iniciar a reforma de nossa mentalidade, porque há de ser a sua reação sobre o ensino secundário e superior que estabelecerá, enfim, as bases de uma cultura experimental”.
Nunca se deve esquecer, na exposição de vossas teses, que “nosso problema educativo não é apenas preparar um povo de ação, mas dar-lhe personalidade”. Por isso afirmastes que “as questões de educação não são simplesmente pedagógicas, porém, nacionais, na mais alta expressão do termo. Interessam ao futuro do país, ao desenvolvimento de suas forças vivas”. Abrangem a cultura física, higiênica, profissional, mental, moral, social, política e cívica do país. Vão do jardim de infância à preparação de uma política internacional, como tantas vezes demonstrastes, sobretudo na Diretoria de Instrução do Distrito Federal, quando destes às escolas públicas o nome de nações americanas e encomendastes a Goulart de Andrade e a Francisco Braga a letra e a música de um hino escolar, destinado à exaltação dos sentimentos e ideais de confraternização americana. Bem o disse o poeta que escolhestes:
Deus compôs pelo céu, na lousa escura.
O hino perfeito da fraternidade
Com o silabário ardente das estrelas!
Observei, há pouco, que toda a vossa obra era educacional, inclusive os livros de Sociologia; mas poderia dizer também que ela é integralmente sociológica, pois que, partindo da análise de nossas realidades para encontrar a fórmula de educação conveniente, levantastes o panorama mais completo que possuímos sobre os defeitos e inconvenientes de nossa formação, desde as elites livrescas, mal preparadas para a luta, até as massas analfabetas, perdidas e esquecidas na imensidade dos sertões brasileiros. Sem esse trabalho prévio de pesquisa e análise de nossas realidades, vosso esforço não seria produtivo, pois que, como escrevestes:
“Sepetiba e Botafogo, o Meyer e Guaratiba têm solicitações que variam certamente. Tais diferenças não implicam adoção de programas diversos, mas a aplicação de tais ou tais disciplinas, com tal ou qual orientação. Não precisamos de tantos programas quantas forem as áreas sociais, mas com o mesmo programa devemos orientar o ensino para o aproveitamento das qualidades concernentes aos vários ambientes culturais”.
Com uma educação obediente a essas normas, o que se visa não é apenas a elevação do nível cultural do povo, mas o aproveitamento de sua capacidade de realização. Como Rui Barbosa, nos famosos pareceres de 1882, dissestes, também:
“Se não há riqueza econômica sem inteligência cultivada que a dirija e sem braço hábil que a edifique, a nação mais abastada e mais poderosa há de ser a que tenha uma educação popular mais difundida, produzindo maior número de inteligências cultas e de braços capazes”.
Como chegar, porém, a esse resultado sem uma reação contra os privilégios de classe, ou de riqueza, que se levantam como obstáculos ao aproveitamento de capacidades reveladas em humildes casebres? Não vos intimidastes diante do problema, a que oferecestes a solução justa. Começastes indagando: – “Onde a democracia num país de analfabetos?” E respondestes com José Ingenieros:
“A instrução superior não deve ser vista como um privilégio para criar diferenciações em favor de poucos eleitos, mas como um instrumento coletivo mais próprio a aumentar a capacidade humana diante da natureza, contribuindo para o bem-estar de todos os homens.”
Não seria possível, num discurso, indicar todos os problemas, ou idéias a que dedicastes a vossa atenção. Vossos livros constituem uma verdadeira enciclopédia de assuntos educacionais, observados e estudados dentro das conveniências brasileiras. Fostes propagandista entusiasta da intervenção federal no domínio do ensino primário, quando semelhante tese ainda cheirava ao enxofre das heresias, segundo o julgamento ou a ortodoxia dos devotos da Constituição de 1891. Figurastes entre os mais ardorosos defensores da necessidade da orientação profissional, desde os bancos escolares. Cuidastes esforçadamente da renovação dos programas primários, como defendestes as vantagens de uma escola secundária de planos múltiplos e cursos flexíveis. Analisastes a fundo a questão do método de ensino das línguas vivas, assim como os deveres e preocupações da administração escolar. Sobre a educação física, traçastes páginas notáveis e com que vos inscrevestes entre os que primeiro trataram, da informação segura, desse problema essencial. Estudastes todos os aspectos da formação de um professorado brasileiro, à altura de sua sagrada missão; mostrastes as linhas gerais de uma educação moral e cívica; desenvolvestes o tema da organização de uma educação técnico-profissional em correspondência com as exigências da evolução brasileira; apontastes a ação que se devia esperar do clero, na aplicação das reformas e no trabalho cotidiano da educação; exaltastes a função que para esse fim poderia ser atribuída à mulher brasileira, à mãe de família, verdadeira construtora das pátrias. Não poderemos esquecer, neste sumário, os capítulos que dedicastes à questão dos núcleos germânicos no Sul do país, acentuando a inutilidade de nossos tímidos projetos de alfabetização e indicando as medidas convenientes para um resultado definitivo.
Em todos os assuntos, versados nesses livros, excelentes e construtivos, possuís extensa, completa informação a respeito do que se passa nos outros países e do que ensinam os grandes doutrinadores. Vosso maior merecimento, entretanto, é o de subordinar a experiência, ou a lição estrangeira aos imperativos da realidade brasileira. Como a glória maior de vossa vida é a de haver perseverado na defesa de vossos ideais, com a bravura, a tenacidade, a confiança das atitudes escudadas em invencível idealismo. Dissestes, com verdade:
O Brasil precisa de trabalhar. Só uma educação generalizada e integral lhe daria esta capacidade. Para isto é indispensável uma campanha sem tréguas. Ter-se-á que fazer um movimento da opinião nacional em prol da educação popular. Convençam-se todos disso, dêem o seu apoio à afirmação dessa idéia. É uma campanha tão santa quanto a da Abolição da escravatura, porque é a abolição da ignorância e da capacidade nacional para o desenvolvimento e a grandeza da pátria.
Se assim o dissestes, assim o vindes cumprindo. Já conquistastes, com o trabalho de vossa existência, o direito de figurar entre os próceres americanos da educação, ao lado de um Horácio Mann, de um José Pedro Varela, de um Sarmiento, entusiastas e servidores da mesma causa a que vos dedicastes. Como o herói uruguaio, consagrastes toda a vossa vida ao serviço da educação, sin dias de fiesta, ni horas de descanso. Como ele também poderíeis dizer: Nadie está obligado a dar más de lo que tiene y yo he dado todo lo que tenia y lo que tengo, sin reservas egoístas, ni desfalecimiento cobarde.
Sede, pois, bem-vindo a esta Academia e à Cadeira 14, que poderá assim conservar-se sob o signo que a vem presidindo: o da fidelidade ao ideal, o da constância na renúncia. Franklin Távora nunca se afastou da devoção das letras, no meio de tantas dificuldades de sua vida pobre; Clóvis Beviláqua serviu inalterável, tranqüilo, indulgente, a causa do Direito e da Justiça. Vossa vida, Sr. Carneiro Leão, tem sido de dedicação total e desinteressada aos problemas da educação popular.
Fidelidade e abnegação fulguram, como uma espécie de auréola, sobre esta Cadeira afortunada. E que signo mais belo poderá haver para uma Cadeira de Academia, ou para a vida de uma criatura humana?