Sempre estou a lembrar o que escreveu, em St. Gallen, na Suíça, nas lonjuras do século IX, um velho monge irlandês: “busco alcançar mais verdade, trocando a obscuridade pela clara luz”.
Dessa clara luz se carece muito para presidir a Academia. Aqui temos parâmetros aquecidos. Advoguei algumas causas por gosto pessoal e por fidelidade institucional. Afastaria tudo que fosse integrismo sem integridade, como por exemplo, as intolerâncias. Quem eventualmente chegasse a mim com essa forma vesga, eu diria, que não tínhamos lugar para isso. Explicaria que este é um local onde se diverge, mas nunca excomungaríamos ideias que não fossem as nossas. Na Academia rejeitamos tiflose seletiva.
Convenci-me de que o certo é ter esperança. Esperança militante, que é todo o contrário da futurologia predatória. Na esperança militante também está a espessura histórica.
Quando assumimos a Presidência estamos no Tabor. Logo em seguida, descemos para as tribulações do Getsêmani. Pode-se chegar com o desfrute dos festejos de uma certa mocidade. Logo, logo, entretanto cessa a festa.
Não quis ser alargado ansioso de horizontes pequenos. Estimei a vida toda o transformar o eu em nós.
Detestei ser mero espectador dos dias. Pelo menos fui um penitente. Não fiquei cabisbaixo na foz do rio da vida. Quem viveu viu. Passo os olhos na vida e me conforto com a sentença de Machado de Assis em Quincas Borba: “A vida não é completamente boa ou completamente má”.
Desta presidência tenho tudo de bom a manter como lembrança. Aprendi muito com os confrades que deram o cariz de relevância à instituição secular.
Deles pretendo que me deem a amizade como oferta quotidiana. Em suas mãos, deposito o coração agradecido.
O meu fascínio por tudo aquilo que aprendo e apreendo no território acadêmico ensina que a Cultura é mesmo a capacidade de o homem viver flexionado sobre si mesmo.
E felizmente somos fiéis no cuidado com a língua portuguesa nos parâmetros entendidos por Miguel Torga: “O importante não é a língua em que se escreve. É a língua em que se vive”.
Para a nossa língua fico com a lição de Eduardo Portella de que devemos ansiar o equilíbrio entre o não transgredir, com o descobrir, inovar.
Alberto da Costa e Silva resumiu com a costumeira precisão e eu repito gostosamente: “Isto que procuramos conservar, reabilitar, recompor e aumentar é o que fomos e somos, na nossa essência de pensamento e palavras, uma herança a ser incessantemente enriquecida pelo dia de hoje e pelos valores esquecidos no passado. A matéria de nossos cuidados é a vida escrita. E não só a linguagem dos poetas ou dos ficcionistas, e dos teatrólogos, e dos críticos literários, e dos ensaístas, e dos historiadores, e dos jornalistas, mas também dos filólogos, dos filósofos, dos juristas, dos sociólogos, dos economistas, dos inventores, dos cientistas, dos militares e dos políticos – de todos os que procuraram e procuram imitar Homero e tornar o fugaz em permanência”.
Agora, no dizer do Padre Vieira, se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que no futuro e no passado se vê o presente, porque o presente é o futuro do passado e o nosso presente é o passado do futuro.
A diversidade cultural que pregamos é pelo caminho da coesão e longe da fragmentação. Também estamos atentos que a cultura não é algo sucessivo mas simultâneo. Daí porque a beleza que buscamos não é só deleite para os estetas, tampouco um capricho. É uma necessidade, base para a educação e a alegria.
Não cuido agora da boa sorte que tivemos com os ganhos da tecnologia da internet, nem das habilitações e modernizações dos nossos espaços físicos da sede, nem da ampliação e diversificação do programa editorial, muito menos de nos termos tornado espaçosos na presença internacional, quando apontamos recordes de missões acadêmicas no Exterior, 20 delas somente em 2011; ainda muito menos na credibilidade favorecedora de um inigualável apoio empresarial aos agora já realizados projetos culturais, nem mencionarei a repercussão entusiástica nos centenários comemorados e na organização de comissões diretoras de centenários a festejar no próximo ano.
Quando foi necessário, fomos fora de portas, pois não houve medo de ousar no dinamismo propositivo e de verificar se uma postura elitista não seria utilizar resina de acomodações, medrosa pelo suposto receio da banalização, que sempre rejeitamos. De fora de portas nos veio o enlace do apoio da sociedade, merecedora do nosso vivo agradecimento. Das periferias onde atuamos fortemente recebemos estímulos a não perder o ritmo a ampliar as parcerias na distribuição de livros em favelas, inclusive nas livrarias de estações do metrô e na parceria, conforme acordo de 22 de outubro, com a Firjan em apoio ao programa estadual de pacificação de comunidades. Uma palavra de registro alegre do novo cenário com a Rio Ônibus para exibir poesia em mais de 2 mil veículos de transporte coletivo.
Grande poeta já ensinara: “Há um fora dentro da gente / Fora da gente, um dentro”.
Depois de dizer do quanto agradeço aos confrades, em particular aos companheiros da Diretoria, impecáveis no espírito da colaboração comigo, agora elevo ainda uma palavra de louvor aos servidores da Casa, amigos leais.
O que desejo à presidente Ana Maria Machado e aos seus companheiros de Direção, é o completo sucesso. Serão felizes com o saber e a sabedoria com que a vida os ornou. Isto que digo é com a forma e a fôrma do coração, pedaços verdadeiros de mim.
Ana Maria Machado tem no espaço internacional o seu lugar de escritora maior. Haverá de aplicar muito das suas qualidades para fazer reluzir a Academia.
O trabalho é a minha busca. Continuarei nessa busca, de vez em quando a coletar no azul que nunca se acaba, no azul inacabado do céu do meu Recife, força e até uma certa insubmissão, aquela de que são feitos os pernambucanos.
Insubmissão que Maria do Carmo controla em mim com mão de ferro, a me repetir ao pé do ouvido o conselho de Santo Tomás: “tenha acerto ao começar e direção ao progredir”.
Tenho convicção de que contribuí para seguir a linha de quantos evitaram que a Academia fosse um depósito de sonhos. Eis o legado para Carmo, filhos e netos que abriram mão de minha companhia enquanto cuidei da Academia, inclusive agindo da precária plataforma de cadeira de rodas e limitantes manobras do corpo sofrido e algo envelhecido.
Com versos de Carlos Pena Filho, mais uma vez me despeço, explicando que sinto ao sair daqui que poderei até beber tempestades pois,
“Às vezes, penso: não tem dor nem mágoa quem se ofertou a tão alegre ofício”.
Academia Brasileira de Letras, 15/12/2011