Presidente do Uruguai por dois mandatos, maior responsável pela democratização do país, jornalista, advogado, Júlio Maria Sanguinetti, 89 anos, tomou posse na última segunda-feira, dia 17 de março, na cadeira 8 de sócio correspondente da ABL. Na presença do decano da ABL, o ex-presidente Jose Sarney, do Consul do Uruguai, Alexandre Mongrel e de Julio Luiz, filho de Sanguinetti, o presidente da ABL, Merval Pereira, ressaltou a importância a e a feliz coincidência do momento da posse de Sanguinetti, quando o Brasil comemora 40 anos da redemocratização.
Em seu discurso de posse, Sanguinetti falou da história de Uruguai e Brasil, “uma história de disputas de territórios entre os impérios, que no decorrer dos anos se tornou de fraternidade, paz e confraternização.”
E é uma história que é parte da história do Brasil, que é parte da história da Argentina, e da qual, bem, este irmão um pouco difícil terminou independente.
Fomos província do Rio de la Plata, fomos província cisplatina do Império, juramos todas as constituições, todas, a de Cádiz, a de Pombal, todas, até que em 1830 juramos a nossa. E nossa história está implicada porque nossas nossas famílias estão implicadas, nossa vida política está implicada.
Lembrou também de dois brasileiros importantes para a história do Uruguai: o Barão do Rio Branco, responsável por definir as fronteiras dos dois países, e o Barão de Mauá.
“O Barão de Rio Branco é uma figura muito importante na nossa história. Pensem vocês que quando morreu Rio Branco, Uruguai decretou luto nacional. De honras de ministro do Estado.
O Barão de Mauá foi o intermediador de contratos nos empréstimos financeiros realizados pelo governo do Brasil ao governo do Uruguai, em 1850. “É uma figura fundamental na economia do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai.
Sanguinetti lembrou também de sua amizade com Jose Sarney e dos momentos dramáticos até que ele assumisse a presidência do Brasil após a morte de Tancredo Neves.
Foi a vez, então, de o ex-presidente Sarney saudar o sócio correspondente, e amigo:
“Ao dar as boas-vindas ao nosso sócio correspondente, não posso deixar de recordar as circunstâncias em que nos conhecemos.
Mas antes eu queria dizer a minha emoção de mais uma vez ocupar esta tribuna da Academia Brasileira de Letras.
Eu também comemoro uma data que talvez tenha sido a alegria mais pura da minha vida. Foi o dia que entrei para a Academia Brasileira de Letras. Isso em 1980. Portanto, completo 45 anos de acadêmico, sendo o decano dessa casa, que me traz uma grande alegria, mas também uma grande preocupação.
Porque o decano significa que aqueles que já votaram nele já morreram. Então chegou a sua vez. Espero que o Criador não tenha nenhuma pressa.
Eram elas, estou falando e voltando às circunstâncias que nós desconhecemos.
Querido Júlio, eram elas extraordinárias para o Brasil e para mim, impregnada de uma carga de emoções e responsabilidades que, posso dizer, raramente foram igualadas na nossa história.
Há 40 anos, no momento culminante de uma longa caminhada pela reconquista da democracia, um raio atingira Tancredo Neves em seu martírio.
Júlio Maria Sanguinetti viera como presidente da República Oriental do Uruguai, ao lado de outros chefes de Estado, avalizar o início simbólico da transição democrática do Brasil.
Também ele, uma quinzena antes, ele já disse isso aqui, no dia 1º de março de 1985, assumira a chefia do Estado, depois de um longo período, 13 anos, de uma ditadura militar no seu país.
Ao longo dos próximos cinco anos, partilhamos o mesmo caminho de superar dificuldades, e caminhamos, ao mesmo tempo, para a integração sul-americana.
Juntou-se a nós nessa tarefa Raul Alfonsin, que eu falo o seu nome com uma grande saudade, a mesma que eu compartilho com Júlio Sanguinetti, do que ele representou para nós, os três mosqueteiros, eu, Sanguinetti e ele, de substituir ditaduras e, ao mesmo tempo, um compromisso de estender a nossa transição para a democracia aos outros países da América Latina.
E, ao lado da nossa convivência política, formou-se, com o Sanguinetti, uma amizade sólida que empurrou nossas mulheres, Marta e Marli, e nossas famílias.
Esta amizade teve também um componente de identificação. Sanguinetti e eu, começamos a vida como jornalistas. Ambos nos formamos advogados. Ambos nos tornamos ensaístas e escritores. Ambos fomos parlamentares.
Uniu-nos ainda tantos temas e interesses comuns que nossa sobrevivência e convivência é um dos momentos mais altos da minha vida, por ser especial neste mais importante aspecto da vida humana, que é, sem dúvida, a amizade.
Perdoe-me, então, se saúdo aqui, portanto, antes de mais nada, ao grande e querido amigo Mas devo saudar também, pois para tal fui designado pelo nosso presidente e pela nossa casa, o intelectual muito ligado ao Brasil.
Ele mesmo já falou aqui, neste instante, das raízes que o prendem ao Brasil. Mas devo saudar também, pois para a qual fui designado, Júlio Maria Sanguinetti, intelectual.
Júlio foi eleito para a Academia, para a nossa academia, na cadeira número 8, de sócio correspondente. O patrono da cadeira é Sebastião da Rocha Pitta, autor de uma importante história, da América Portuguesa no começo do século XVIII.
O primeiro ocupante da cadeira foi um norte-americano, John Fisker, que no âmbito do seu ensaio sobre a descoberta da América tinha estudado também a descoberta do Brasil. Creio que sua indicação se deve a Oliveira Lima, que eu admirava e o colocou entre os escritores americanos importantes no seu livro, nos Estados Unidos.
Pouco depois sucedeu Cândido de Figueiredo, um dos grandes filólogos e dicionaristas de língua portuguesa do século XIX. Seguiu-se José Maria Rodrigues, grande camonionista. Vieram então dois portugueses que viveram longamente no Brasil e aqui deixaram fortes laços: Fidelino de Figueiredo, criando na USP e na Universidade do Rio de Janeiro a tradição dos estudos portugueses; e Luiz Forjás Trigueiros, E já agora falo de quem conheci e grandemente o estimei, o grande escritor e editor da Livraria Bertrand e da Nova Fronteira.
Finalmente, seu último antecessor foi Augustin Buzurra, notável escritor e acadêmico romano.
Neste conjunto tão dissimile nos seus contatos com o Brasil, nota-se que há dois grupos.
O menor é um dos que realmente conheceram e amaram o Brasil, Fidelino e Trigueiros. A eles se junta Sanguinetti, que é homem da fronteira, divide conosco a banda oriental do rio Uruguai, que nos separa da Argentina e atravessa com facilidade as cochilas e pradarias que nos unem.
Naturalmente, o ensaísta político avulta na obra literária de Sanguinetti. Nela se confundem o jornalista, o escritor e o político, o homem de honra, que se bateu até num duelo para defender um amigo.
Falei-lhe do peso que se dá, damos a amizade. Desde cedo, ele examinou as questões que nos fizeram ter intermitentes e devidas intromissões militares na política em toda a América Latina, especialmente no Cone Sul.
Defendeu a democracia com coragem e moderação, em que se insere sua progressiva e fundamental participação no Partido Colorado, sua ordinária construção, que em breve fará 200 anos e que será, sem dúvida, um dos maiores partidos, organizações partidárias do mundo.
Sanguinetti é um conservador precioso, e aí esta palavra representa mais em espanhol do que na nossa língua.
Em que a memória aflui em narrativa preciosa pela simultânea visão do conjunto e das circunstâncias e pelo mergulho pinçado com precisão científica nos detalhes que definem os personagens e dos personagens os acontecimentos.
E do lugar que ele destinou à história, ele teve a oportunidade, como poucos, de observar de perto a uns e outros.
“Seus retratos” é um livro que ele escreveu, desde La Memoria, é uma obra essencial para conhecer a transição, os séculos e a transição para a democracia.
Transição de que, insisto, ele é protagonista e até herói e construtor.
Júlio Maria é também um crítico fundamental para as artes plásticas do Uruguai, tendo construído desde cedo uma coleção de arte de importância excepcional. Sua crítica foi, de certo modo, participante na definição dos caminhos que as artes plásticas seguiram ao longo dos últimos 70 anos no seu país.
Sr. Presidente, meu querido amigo Júlio, a Academia Brasileira de Letras é uma construção que muito deve à Academia Francesa e a outras instituições literárias.
Mas quando, no final do século XIX, um grupo de escritores, em sua maioria jovens, se reuniu em torno de nomes altíssimos, de Machado de Assis e Joaquim Nabuco, uma coisa distinguiu a instituição que pretendia fundar e fundou das outras.
Ela é, acima de tudo, um lugar também em que nós preservamos, que nós preservamos a fraternidade.
O que se registrou foram os laços que jogaram no destino a ligação de José de Alencar e Gonçalves Dias ao jovem Machado de Assis, ao encaminhar-lhe Castro Alves.
O idealismo da redenção do negro no destino do jovem Nabuco. A fraternidade, isto é, a amizade. Somos uma casa também de amizades.
Aqui, acolhemos o amigo do Brasil, Júlio Maria Sanguinetti.
Essas brevíssimas palavras não são para ensinar ninguém quem é ele. Todos o sabemos aqui quem são propriamente o rito acadêmico. São apenas para dizer-te que espero que agora, na condição de sócio correspondente, tenhamos aqui na Academia o prazer e a satisfação de vê-lo muitas vezes.
Antes de terminar, eu queria dizer a você, Júlio, minha gratidão por sua presença aqui nesta comemoração de Brasil, de seus 40 anos de liberdade para a transição democrática.
Você, meu querido amigo, que seja muito feliz e meus agradecimentos por sua presença, que é uma honra, uma grande honra para mim e acho que estou falando em nome dos outros acadêmicos.