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Olha ele aí

 

QUANDO CHEGUEI ao Palácio do Planalto, o famoso Dragão da Inflação estava no gabinete presidencial, refestelado na larga cadeira de couro vermelho, com "olhos de tigre e corpo de serpente". Minha obrigação primeira era matá-lo. Mas é um bicho que, na mitologia oriental, faz parte de um dos quatro monstros sagrados que Deus convidou para criar o mundo. Não morre. Houve um tempo em que me enchi de esperança e, com a espada do Cruzado, investi contra sua couraça e, quando eu cantava vitória, ele voltou e quase me engole.


Meu sucessor teve o mesmo desejo e disse que ia matá-lo com "apenas uma bala" na testa. A bala não entrou. E assim, ninguém passou pelo governo sem preocupar-se com ele. A inflação está sempre latente na economia e, num mundo globalizado, o contágio é inevitável. Naqueles anos o mundo vivia um surto inflacionário e no Brasil a coisa era pior, porque aqui tínhamos um alimento para o famoso dragão, uma comida que não existia em nenhum país do mundo, que era a correção monetária. Ela não deixava que a inflação baixasse. Mas esta é outra história.


A volta da inflação ameaça o mundo inteiro. Suas motivações vêm do crescimento incontrolável dos preços do petróleo -sem perspectiva de baixa-, da dívida pública americana de US$ 8 trilhões, que não se sabe até quando os países superavitários estarão dispostos a financiar, da crise do dólar, que já passa para o euro, e da desenfreada especulação dos mercados financeiros, com práticas muitas vezes condenáveis.


Esse quadro provoca, dentre outras graves conseqüências, o aumento dos insumos agrícolas, adubos e correlatos, muitos tendo como matéria-prima o petróleo, afetando de maneira impactante a produção e o custo de transporte das safras. Resultado: a alta do preço dos alimentos. Some-se a isso uma realidade boa, que apenas está começando, da expansão do crescimento econômico, não mais restrito ao Ocidente, mas agora em quase todo o mundo, puxado por Índia, China e Brasil, bem como pela melhoria de vida dos pobres de todo o mundo, que comem e consomem mais. A especulação tem campo fértil.


O volume diário das transações de câmbio soma US$ 3 trilhões. Em 2007, a Bolsa de Chicago negociou o equivalente a 22 safras agrícolas! O Brasil não está imune, mas estamos mais preparados para enfrentar crises. Na Europa, com a queda das Bolsas e a alta dos preços, alguns países já perderam parte substancial do valor de seus PIBs.


Como diz o presidente Lula, o essencial é vigiar o dragão e não trocar o estômago por um galão de gasolina.


Folha de S. Paulo (SP) 4/7/2008