Luís Viana Filho, o grande biógrafo de Rui, Rio Branco, Eça e Nabuco, disse-me que, ao encontrar-se com o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon - que se tornou célebre porque seu período coincidiu com a queda do Jango em 1964 -, quando já não ocupava mais o posto, este lhe observou que uma coisa o impressionara muito, na sua passagem aqui: as escolas de samba. Uma maravilha sem igual no mundo. Não sabia como era possível seu funcionamento. Era a alegria, a beleza, a diversidade de pessoas, uma Torre de Babel que oferecia uma impressão do caos, na chamada concentração. De repente, tudo se transformava. Tocava o apito com a ordem de entrar na avenida e, num movimento perfeito, o conjunto dava um banho em qualquer planejamento, e desfilavam como se tudo fosse milimetricamente orquestrado. A bendita improvisação brasileira que do caos faz nascer a harmonia e o desfile. Isso explicava o Brasil.
Esta desordem na ordem, em qualquer lugar do mundo, apontaria a bagunça, que não ocorre. O gosto da improvisação e a alma que o brasileiro põe no que faz são o segredo dessas coisas, que supre as lacunas do planejamento. Até onde isso vai dar certo? A resposta é: enquanto existir o Carnaval com a metodologia das escolas de samba. Quando ouvi De Gaulle dizer como era difícil governar a França com 600 qualidades de queijo, eu contracenei: “E o Brasil com mais de duas mil escolas de samba espalhadas em 8.514.876 quilômetros quadrados?”
O Carnaval é uma parte da cultura popular do país, aquela, com o futebol, mais massificada e visível, fazendo parte de um substrato maior que é uma identidade nacional: a cultura da alegria.
No Carnaval acontece tudo e não acontece nada. Lembram daquela moça que invadiu o camarote do presidente da República e estava em clima da festa, sem aparatos de guarnicê? Meu filho me fez uma observação: “Papai, aquele era um grupo de velhos que não conhecia o Carnaval. Foi preciso um repórter fotográfico que estava em baixo descobrir que a moça estava sem calcinha! O calor do Carnaval é muito forte.”
Um bispo jubilado do Maranhão, dom Felipe Conduru, me fez um cartão, em 1967, dizendo: “Governador, enquanto existir a devassidão do Carnaval, não fale em Maranhão Novo”. E nada mais puro. O corpo das mulatas, o tapa-sexo, o gingado, o samba no pé e os arrojados biquínis. Aliás, Roberto Campos deu-lhes a melhor definição: “Mostram tudo e cobrem o essencial.” Tudo pureza e beleza.
Nunca entrei na fuzarca, mas, vendo o seu progresso, lembro de Vieira: “Tenho saudades do futuro”.
PS: Republicado a pedidos.
O Estado do Maranhão (MA) 3/2/2008