HELMUT SCHMIDT, talvez o homem mais brilhante que eu conheci, em uma reunião em Salzburgo do InterAction Council, conselho mundial de ex-presidentes e chefes de governo, do qual eu participo, fez uma exposição sobre o mercado financeiro, o primeiro setor da economia a globalizar-se. Falou sobre o gigantesco volume de capital que gira nas Bolsas de Valores, dia e noite, comandadas mais pelos computadores com seus programas inteligentes do que pela vontade dos homens e investidores, concluindo que suas ações representam dez vezes mais que a economia real.
Eu não entendo bem como isso funciona, mas, ao longo de minha vida, tenho presenciado muitas crises nas Bolsas de Valores e muitos dias de euforia, uma coisa e outra definindo a saúde das economias dos países e, hoje, do mundo inteiro.
Vivi nos anos 70 um desses momentos. Descobrira-se um poço onde todos encontravam ouro: o mercado de capitais, a Bolsa. Todo mundo começou a vender tudo e aplicar na Bolsa. Foi nesse tempo que o Banco Nacional, do Magalhães Pinto, ganhou uma concorrência para lançar ações do Basa.
Ele chamou a mim e a Odylo Costa, filho -uma das melhores e mais bondosas criaturas que Deus fez neste mundo-, e nos ofereceu, a cada um, 5.000 ações, ao preço de lançamento. Foi logo dizendo que as ações iriam valorizar muito.
Ponderamos que não tínhamos dinheiro, e Magalhães mandou o banco nos emprestar. Eu avalizei Odylo e Odylo me avalizou. Dez contos cada um. As ações subiram e eu disse: "Vamos vender". Os experts recomendaram: "Esperem, vai valorizar mais". Um dia, as ações subiram tanto que Odylo me convidou para almoçar e anunciou: "Zé, estamos bem, vamos tomar um bom vinho". Para encurtar a história: dois anos depois, as ações caíram e acabamos vendendo pela metade do valor por que compramos, depois de ter pago por todos esses meses os papagaios do banco. Otto Lara Resende, que também participou do pool de "investidores", encontrou o Magalhães e lhe agradeceu: "O Banco Nacional foi muito nosso amigo, a 4% ao mês".
Assim, nós conhecemos as crises da Bolsa e do nosso bolso. Agora, mais uma vez, leio as notícias do Brasil e de além-pátria, umas anunciando a catástrofe e outras a ausência dela. Uns acham que é uma bolha que está arrebentando e tudo voltará ao normal.
Outros, que é uma crise estrutural dos mercados e que a economia americana vai puxar para baixo todas as outras. Nathan Blanche, da Tendências Consultoria, diz que com reservas de US$ 186 bilhões e dívida externa de US$ 65 bilhões, a crise para nós é café-com-leite. Deus o ouça!
Folha de S. Paulo (SP) 25/1/2008