A monstruosidade do terrorismo é a gratuidade da violência. O sofrimento que se impõe a pessoas que nada têm com as ideologias e lutas em disputa. Pela causa, cria-se uma hipoteca para matar, torturar e fazer tudo que contém a palavra mal.
Os dramas e tragédias humanas que se criam chocam e causam revolta. Veja-se o sofrimento e o calvário desse menino chamado Emmanuel. Nascido na selva, quem pode exatamente saber se fruto de estupro ou relação consentida, filho de uma mulher seqüestrada e sujeita a toda tortura moral exercida contra seu próprio corpo. Uma cesariana feita por leigo, um nascimento que resultou em um braço quebrado. A entrega em uma canoa a um pobre ribeirinho de Guaviare. Não se sabia o nome e foi levado à sede do Distrito onde lhe deram outro, Juan David. Sua ficha hospitalar: "maus-tratos, negligência, desnutrição, malária, diarréia aguda, leishmaniose e fratura no úmero".
O que se esconde nessas palavras é o calvário dessa pobre criança. Sem mãe - presa pela guerrilha, que Chávez quer chamar de insurgentes - é entregue ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar e vai para Bogotá, onde fica exilado de carinho e começa a crescer com todas as seqüelas de seu martírio, "atraso no desenvolvimento psicomotor", até os dias de hoje, quando chega uma mulher esquálida, mais doente da alma do que o filho do corpo, que, como no verso de Fernando Pessoa, encontra o "menino de sua mãe".
Em meio a tudo isso, ele e mãe eram frutos da manipulação, usados para mídia de forças políticas, nessa tragédia do nosso tempo.
Os guerrilheiros o utilizaram numa chantagem à França, sem que o tivessem, já descartado como mais uma peça do terror na beira de um rio e de uma selva onde não se sabe se o que circula no coração dos homens é a droga, o narcotráfico ou propósitos políticos.
Os depoimentos trazidos por essas duas mulheres, Clara Rojas e Consuelo González, dizem do inferno que passam os reféns da guerrilha. Correntes, fome, doenças, brutalidade, espancamentos, tratados como bichos, se arrastando na lama. A humanidade regrediu. Os reféns da Guerra do Peloponeso eram tratados com maior dignidade. Os gregos respeitavam a pessoa humana - o que não ocorre nas matas da Colômbia.
Dar barretadas de boa vontade com gente que faz isso é tão criminoso quanto fazer. Para ver-se o engodo midiático da libertação das duas mulheres, no dia seguinte seqüestram mais seis pessoas.
Desse episódio só resta a frase bela, mas amarga, de Consuelo González: "Na liberdade, a felicidade é infinita".
Jornal do Brasil (RJ) 18/1/2008