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Paulo Autran

 

SÃO LUÍS do Maranhão, uma das cidades mais antigas do país e onde está preservado o maior conjunto da arquitetura colonial portuguesa, tinha no teatro uma devoção cultural. Basta dizer que a igreja de Nossa Senhora da Luz foi inaugurada, em 1617, com uma representação teatral, diálogos compostos pelo padre Luís Figueira, um dos mártires jesuítas da evangelização da Amazônia.


O Teatro São Luís é o segundo do Brasil, foi construído por iniciativa privada e inaugurado em 21 de junho de 1816 com o nome de Teatro União. No tempo da navegação a vela, São Luís era o porto mais próximo da Europa, 28 dias, viagem favorecida pelos ventos e correntes marítimas, e ali primeiro aportavam as companhias líricas que vinham apresentar-se no Brasil. Havia o gosto do teatro, e cada sobradão guarda até hoje um espaço que era obrigatório para o seu teatrinho, onde as famílias cultivam essa arte.


O Teatro São Luís foi construído tendo como modelo o Scala de Milão, em tamanho pequeno, aconchegante, belo. Tem um ar de uma casa em que todos participam do espetáculo, tão próximos ficam platéia e artistas. Por ali passou Furtado Coelho, aquele cuja mulher Eugênia Câmara era a musa e amante de Castro Alves. Num camarim nasceu a maior atriz brasileira de todos os tempos, Apolônia Pinto. O teatro tinha assinantes, e as óperas e operetas eram as grandes atrações da cidade.


Nesse teatro, onde, por tradição e uma certa superstição nos meios artísticos, dava sorte estrear, conheci Paulo Autran na década de 50. Nós fundáramos uma Sociedade de Cultura Artística (Scam) com a professora Lilá Lisboa, Lucy Teixeira, Lago Burnett, e recebíamos e nos fazíamos de cicerones aos artistas que nos visitavam. Lembro-me que acompanhei Henriette Morineau, Tônia Carrero, Maria Della Costa e Paulo Autran.


Com Paulo, Henriette e Tônia fizemos uma amizade bem forte. Com que encanto e nostalgia lembro-me das noites gloriosas do "Otelo" e do "Entre Quatro Paredes", o público em delírio, e do tempo de Tônia -essa beleza que não passa- e Paulo na sua companhia com Adolfo Celi.


Ninguém no Brasil representou tanto o chamado a uma vocação artística quanto Paulo Autran. Encheu o coração de sua geração e das novas gerações. Grande e magnífico ator -o maior de todos. Criatura extraordinária. Quando presidente, o mandei convidar para Ministro da Cultura: ele não aceitou, nem Fernanda Montenegro. Perdi eu. Foram fiéis ao teatro, mais do que eu à literatura.


Sua morte deixa a lembrança da frase de Rilke sobre Rodin: "Todos os grandes homens já morreram".


Folha de S. Paulo (SP) 19/10/2007

Folha de S. Paulo (SP), 19/10/2007