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Do ensino fundamental

 

O ensino fundamental tem sido objeto, no Brasil, de valiosos estudos, mas, além de tratar-se de assunto inesgotável, parece-me que tem faltado uma análise satisfatória no contexto da Constituição de 1988, notadamente depois da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, a qual introduziu oportunas alterações nos srtigos pertinentes a essa matéria.

Tudo está em saber qual a finalidade essencial do ensino fundamental, a partir do princípio constitucional básico de que a educação, de conformidade com o disposto no artigo 205, deve ser promovida e incentivada “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Desdobrando essa definição sintética, verifica-se que são três as finalidades do ensino:


Formação da personalidade do educando, tanto do ponto de vista físico quanto ético;

Dar-lhe consciência de seu papel na sociedade para o devido exercício da cidadania e

Ministrar-lhe os ensinamentos exigidos, em nossos dias, para acesso aos postos de trabalho, num sistema de produção cada vez mais automatizado.


Pode-se afirmar que esse tríplice objetivo constitui, em última análise, a razão essencial do ensino fundamental, o qual se destina à formação integral da criança, e não apenas à sua informação relativamente às diversas formas de conhecimento teórico e prático. Nessa distinção entre formação e informação, e em sua imprescindível complementaridade, reside, no fundo, a diretriz que nos auxiliará a resolver o problema que estamos examinando.


Tem sido dito, com acerto, que a nossa é a era da informação, em virtude da crescente importância do cabedal técnico de comunicação que veio alterar substancialmente a sociedade contemporânea, dando mais vigor e celeridade tanto ao aprendizado intelectual quanto aos meios de produção e circulação da riqueza, aproximando os horizontes do bem-estar social. É o motivo pelo qual a filosofia tem dispensado tão profunda atenção ao que Habermas e Appel denominam “discurso comunicativo”.


Todavia não podemos olvidar a advertência de Gadamer de que nada é mais perigoso do que a abundância excessiva e indiscriminada de informações, tornando-se, por isso, não menos necessário o desenvolvimento da capacidade de seleção, a fim de que os nautas da Internet não fiquem perdidos no oceano de dados velozmente fornecidos.


A constatação desse fato vem iluminar ainda mais a compreensão do ensino fundamental como sendo de formação da criança, dirigindo sua sensibilidade, sua inteligência e sua vontade no sentido de uma integração de valores existenciais, em razão dos quais lhe devem ser ministradas, sem exagero e pedantismo, as noções básicas da ciência. Ao contrário dessa orientação, no fundo de natureza ética e social, temos dado antes ênfase ao aspecto informativo do ensino, recheando-se a cabeça do aluno com uma série de conhecimentos, geralmente extraídos de diversos campos do saber, sem se cuidar de seu emprego e integração como instrumentos destinados à formação de uma personalidade apta a exercer os três fins acima discriminados. Esclarecido esse ponto, cabe determinar a quem deve ser confiada a relevante missão em apreço. Nessa ordem de idéias, se, como proclama a nossa Carta Magna, “ a educação é dever do Estado”, não é menos certo que, numa democracia, ela compete também à sociedade em geral, completando-se o sistema público do ensino com o caráter privado, tudo devendo ser feito para que ambos tenham o mesmo nível, seja no que se refere a sua organização e à estrutura dos estabelecimentos, seja no concernente à remuneração e à qualidade intelectual do corpo docente.


No tocante ao ensino público, cumpre lembrar que, de início, a Carta de 1998 se perdera numa distribuição abstrata de competências, de tal forma que, em princípio, caberia ao município ministrar o ensino fundamental; aos Estados, o ensino médio, apenas com função supletiva quanto ao primeiro; E à União, o ensino universitário. Felizmente, a já citada Emenda nº 14 veio estabelecer mais equilíbrio nessa partição de atribuições, dando nova redação ao § 3º do artigo 211, com a declaração formal de que “os Estados e o Distrito federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio”. Desse modo, desde setembro de 1996, o ensino fundamental passou a ser prioritário tanto para os Estados como para os municípios, o que se justifica se atentarmos para a precariedade dos recursos das unidades municipais, máxime depois da insensata criação de municípios destituídos de mínimas condições financeira e intelectual para o exercício das complexas atribuições a eles conferidas desde a Constituição de 1946, a qual implantou no Brasil o federalismo trino, fixando desde logo, em seu texto, a estrutura política dos municípios, com competência tributária própria e co-participação na receita da União. A Carta em vigor veio acentuar ainda mais o papel federativo das municipalidades.


Pois bem, apesar dos recursos oriundos de fontes federal e estadual, e da contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, a maioria de nossos municípios continua sem capacidade para manter um ensino fundamental de oito anos. Como já escrevi alhures, nosso ensino fundamental devia ser de apenas cinco anos, como ocorre em alguns países desenvolvidos, voltando-se ao antigo sistema de ensino médio composto de três anos de ginásio e três de colégio ou liceu, ambos compatíveis com maior carga das informações técnico-científicos exigidas pela economia contemporânea. Os primeiros cinco anos são os mais adequados à formação da criança, sobretudo graças ao convívio quase familiar que deve existir entre ela e os mestres.


Por outro lado, essa revisão no sistema não impedirá que, desde logo, o curso ginasial seja considerado outrossim obrigatório, passando, com o correr do tempo, a obrigatoriedade também ao colégio. Somente assim, milhões de adolescentes estarão aptos, anualmente, ao exercício profissional requerido pela nova tecnologia imperante num mundo sempre mais globalizado.


 


O Estado de São Paulo - São Paulo, 05/09/00