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Onde está a tomada?

 

Voltei ao Brasil e minha sensação foi a de quem chegou em casa e nada funciona. É como se, de repente, uma pane geral desligasse a geladeira, a máquina de lavar, a televisão, o DVD e até o fogão. Nem candeias estavam disponíveis.


Os mecanismos não obedeciam a nenhum comando e, para aumentar minha confusão, fui ao trabalho e não consegui chegar pelas vias principais ao Senado. A Esplanada dos Ministérios estava bloqueada. Cinco helicópteros voavam rasantes sobre uma multidão, com portas abertas e atiradores com armas apontadas para o solo, munidos de um megafone rouco que não era ouvido claramente. Cinco mil tratores bloqueavam o acesso, e os manifestantes desciam para cercar o Palácio do Planalto. Julguei que fosse um treinamento para defender o presidente da República e o Congresso. Logo soube que era o contrário.


Com dificuldade, pelos fundos, consegui finalmente entrar no prédio do Senado. Muitos congressistas não tiveram a mesma sorte.


Os corredores do Congresso não eram mais os mesmos de antes de minha viagem. Agora, havia um burburinho excitado, setas apontando para diversos locais, com um menu de CPIs para qualquer gosto. Lia-se "mensalão", adiante "Correio", mais além "Conselho de Ética" e outro cartaz mais chamativo indicava a direção da Corregedoria da Câmara, onde, a portas fechadas, se procurava desvendar uma teia de denúncias nas quais se provaria que no Congresso aconteciam coisas feias, além dos aviões de carreira. Só não havia indicação de onde era o plenário.


Num corredor que dá para o salão Verde, onde está a alentada estátua da Justiça, uma multidão de fotógrafos dispara suas máquinas, as câmeras de televisão ligam suas luzes, a correria é grande e seguranças procuram evitar que as pessoas se machuquem. Pensei que fosse a Gisele Bündchen visitando o Congresso e arrisquei um olhar que não penetrava em nada mais que aquele amontoado frenético de pessoas. Mas não: era uma moça-secretária que trabalhava numa firma e que resolvera botar para fora tudo o que sabia. Uma história complicada, na qual aparecem malas de dinheiro, encontros marcados em suítes de hotéis e o maior negócio pecuário já visto no país: 40.000 bois, comprados em espécie, que iriam pastar no gramado do Eixo Monumental, que Lúcio Costa jamais imaginou para esse fim.


Tenho vontade de dar meia volta e voltar. Minha cabeça está confusa. Sou despertado pelo grito do Moreno. Perdão pela intimidade, Jorge Moreno, o grande jornalista, no talento e no peso, que me adverte: "A CPI dos Bingos, que estava morta, acaba de ressuscitar e vai ser instalada, com mais outra CPI, a das Privatizações, que promete pegar até dom João 6º."


Esperava, vindo da Europa, encontrar o debate sobre a reforma política, sobre o destino do Brasil, sobre o bem estar do povo, sobre o emprego, mas vejo essa confusão. Pensei: "Será que eu permaneci tempo mais do que devido na política? Não era para ter caído fora há mais tempo?". Mas a gente não governa a vida que nos governa. Política tem realidade e ficção. Agora as duas estão juntas.


Busco sair dessa perplexidade lembrando o verso do além-série T. S. Eliot, esse poeta inglês-americano: "Much to cast down...". Lembro-o todo, na tradução primorosa do Ivan Junqueira: "Muito a derribar, muito a edificar, muito a restaurar... que o fogo não vacile em vossa forja". E, com essa memória do poema, não vejo nem o túnel nem a forja. Estão sob investigação. Tudo escuro.




Folha de São Paulo (São Paulo) 01/07/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 01/07/2005