Os antigos e os poetas épicos falam na roda da fortuna, para marcar tempos bons alternados com os maus. Já a nossa rainha da Inglaterra, Elisabeth II, que os da nossa geração conhecemos mocinha, ao lado do pai, o rei Jorge VI, nas fotografias da Segunda Guerra Mundial, preferiu a expressão latina annus terribilis, quando acossada pelo fogo entrincheirado dos tablóides londrinos revelando histórias escandalosas da família real, tendo à frente os amores de Lady Di e seu marido, o herdeiro do trono, Charles, sem falar nas noras de topless que brilhavam, não de todo pelo que mostravam, e mais pelo que demonstravam.
No Brasil, nós que não abandonamos nossas convicções astrológicas preferimos o inferno astral. Ainda bem que o topless do Waldomiro foi na cabeça, colocada à mostra por um vídeo, desses de gravação escondida tão populares nas pegadinhas dos programas domingueiros de televisão.
No Nordeste há uma crença de que ''notícia ruim vem a cavalo'', coisa do tempo em que a solução eqüestre era a mais rápida. Hoje, talvez melhor fosse a jato. É da crendice popular que essas coisas más não vêm só, mas em magote.
É o que estamos vivendo, ou melhor, voando em nuvens carregadas, dessas que a meteorologia diz sujeitas a chuvas e trovoadas.
Li, há pouco, em Stiglitz, o Prêmio Nobel de Economia, que foi chefe da assessoria de Clinton, que a cada recessão sucede um período de crescimento e este sempre tem pela frente um período de depressão. Assim, concluímos que as leis da economia não são diferentes das leis da vida e essas sucessões entre tempos ruins e tempos bons fazem parte de tudo. Os chineses, com sua sabedoria milenar, condicionaram-se a pensar num sistema de antagonismos e contradições, inn e iang, o dia e a noite, a luz e a escuridão, o sol e a lua, o belo e o feio e aí vai.
Na política é a mesma coisa. O perde e o ganha, a popularidade e o esquecimento. Oposição e governo, exercidos sempre em alternância, vítimas do pecado da incoerência.
É o que se vê no atual e saudável debate democrático. Comissão faz, não faz, e o essencial e o racional, às vezes, se perdem na paixão e na esgrima do entrechoque dos partidos.
O ano não vem com ares otimistas. Aqui e lá fora. As estatísticas - sempre as estatísticas - nos dizem que as taxas de desemprego sobem, que os carros aproveitaram o ano bissexto para aumentar mais do que o ano passado, que os cheques sem fundo batem recorde e já anunciam até que os ovos de Páscoa vão ficar mais caros. Tragédia! Para aliviar, a Ambev, a cervejaria brasileira responsável por aquela loira da praia que é feita de malte, nos enche de orgulho nacionalista como primeira global brasileira que vai dar porre no mundo.
Mas notícia atravessada mesmo é a de que nosso PIB foi negativo em 2003.
Sem desenvolvimento tudo se complica. Diziam que a década de 80 fora a década perdida. A década de 90 foi a desgraçada. Até hoje os números de crescimento de 85 a 90 não se repetiram: o Brasil cresceu 5% ao ano. Daquela época, pela década seguinte, a escalada da recessão veio crescendo, até os números de agora, cuja origem está nesse tempo.
Afastemos os annus terribilis e o inferno astral e acionemos os terreiros da Bahia.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 05/03/2004