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Nobel revisitado

 

Ao ressaltar a importância da inteligência artificial em diversas áreas da atividade humana, o Prêmio Nobel deste ano mostrou-se muito mais supradisciplinar. O princípio de redes neurais pertence muito mais à biologia do que à física, mas os profissionais desse campo do conhecimento foram contemplados com a premiação. O Prêmio Nobel de Física foi dividido entre John Hopfield, professor em Princeton, e Geoffrey Hinton, também conhecido como o ‘padrinho’ da IA, por trabalhos que foram ‘fundamentais para estabelecer os alicerces do que hoje conhecemos como inteligência artificial‘, segundo o comitê.

O prêmio de Química foi para Demis Hassabis e John M. Jumper, do laboratório de IA DeepMind, de propriedade do Google, e David Baker, um bioquímico dos EUA, cientistas que usaram inteligência artificial para ‘decifrar o código’ de quase todas as proteínas conhecidas. Já o Prêmio de Economia foi para três economistas cujos trabalhos são centrados na institucionalidade política, que consideram básica para a prosperidade das Nações, o economista turco Daron Acemoglu, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e coautor do best-seller “Por que as Nações Fracassam”, com James A. Robinson, da Universidade de Chicago, e Simon Johnson, também do MIT.

Ao destacar essa característica do Nobel deste ano, o economista Edmar Bacha levou ao plenário da Academia Brasileira de Letras (ABL) a discussão sobre a inteligência artificial que se expande por várias disciplinas. O acadêmico Arnaldo Niskier, um educador de amplo espectro, se dedica nos últimos anos ao estudo da inteligência artificial e concorda com os receios que vários dos agraciados com o Nobel levantaram: “À medida que os estudos avançam e se aperfeiçoam, tornam-se mais perigosos, pois não se levam em consideração princípios seguros e éticos, como seria desejável”.

O papel das instituições no desenvolvimento dos povos é a base dos estudos dos vencedores do Nobel de Economia, que teve a importância de trazer de volta à discussão pública, com o aval do Nobel, a importância da democracia para se alcançar o progresso econômico. A relação entre a democracia e o capitalismo, que foi por décadas um axioma aceito sem discussão, passou a ser contestada com o surgimento de países capitalistas não democráticos, como a China, e também devido à desigualdade de renda em países como o nosso.

Para Acemoglu e Robinson, o que distingue os países é a forma em que foram criados ou colonizados. Existem as colonizações “extrativistas” e as “inclusivas”. Estas legam ao correr da história instituições mais abertas e criativas, que estimulam a participação dos cidadãos no desenvolvimento do país, e aquelas, um sistema fechado que beneficia um pequeno grupo que controla o poder .

As instituições democráticas são as que permitem o desenvolvimento inovador de uma Nação, enquanto as instituições burocráticas de governos ditatoriais retardam esse desenvolvimento. A China entra nessa equação como um ponto fora da curva, pois tem instituições engessadas e um sistema de governo que não estimula a criatividade e a liberdade de pensamento. Por isso, os economistas vencedores do Nobel consideram que o futuro da China comunista não é uma garantia de desenvolvimento econômico, devido à instabilidade que seu sistema de governo estabelece.

Desde a crise de 2008 está em discussão nos principais fóruns mundiais a necessidade de rever atitudes e procedimentos para que o capitalismo continue sendo o melhor sistema econômico disponível. Para isso, é preciso que preste melhores serviços à sociedade. Mais do que realizar apenas eleições periódicas, a democracia precisaria estimular uma maior inclusão social e a redução das desigualdades.

Nesse debate sobre a necessidade de o Prêmio Nobel ser supradisciplinar para poder abranger as novas facetas do conhecimento humano, o acadêmico Joaquim Falcão definiu: “Diante das matérias supradisciplinares, transdisciplinares, intradisciplinares, eu prefiro ser indisciplinado”.

O Globo, 20/10/2024