Há muito tempo não via uma cena tão degradante quanto a que mostra o deputado Fernando Cury, da Assembléia Legislativa de São Paulo apalpando acintosamente sua colega Isa Penna em frente à mesa diretora da Casa. Não se trata nem mesmo de uma questão de tendência política, pois o deputado-cafajeste era do Cidadania, um partido da esquerda moderna que, por ser uma agremiação que zela pela democracia e pelos direitos femininos, o expulsou de suas hostes.
Cury abraçou sua colega por trás e apalpou seus seios, tendo sido repudiado duas vezes, sem que se veja no vídeo nenhum tipo de atitude tomada pelo deputado que presidia a sessão naquele momento, à frente de quem a cena ultrajante ocorreu. A deputada Isa Penna diz que ele estava bêbado quando se aproximou, e é possível que estivesse, porque somente fora de si poderia ter protagonizado, no plenário da Assembleia, uma cena tão nojenta.
Quando está longe de todos, do que será capaz esse sujeito? Há um detalhe no vídeo que é bastante sintomático. Um deputado de terno cinza tenta pará-lo quando Cury se dirige à mesa onde já estava a deputada. Esse deputado sabia exatamente o que seu colega intencionava fazer, provavelmente porque o avisou antes, jactando-se do que faria.
O fato é daqueles que dão vergonha alheia a todo homem que não se acha com o direito de assediar uma mulher simplesmente por ser do sexo masculino. Essa masculinidade tóxica faz com que a cada fato desses mais seja demonstrada a necessidade da punição rigorosa dos abusos sexuais, sem o quê o Brasil continuará sendo terra de trogloditas onde um comportamento regressivo, animalesco, tem permissão de existir.
A maior prova disso é que nada menos que dez parlamentares foram ao gabinete do deputado assediador prestar-lhe solidariedade, não se sabe bem a troco de que. A deputada Isa Penna já fora chamada de “vadia”, “vagabunda” e “terrorista” quando era vereadora, pois o ambiente parlamentar no Brasil, de maneira geral, é daqueles dominados por homens brancos heteros, cuja maioria ainda vive séculos de atraso mental.
A tal ponto que a obrigatoriedade legal de dar espaços às mulheres candidatas transformou-se em fonte para falcatruas no financiamento eleitoral. Mulheres não representativas e sem chance alguma de serem eleitas são escolhidas apenas para serem usadas como “laranjas” para o uso do fundo eleitoral. Transformam as mulheres, e transformarão outras minorias, em meros instrumentos de trambiques com o dinheiro público, sem nenhum interesse em diversidade na representação partidária.
O machismo é fato tão banal que o atual presidente Jair Bolsonaro foi capaz de agredir a deputada sua colega Maria do Rosario, verbalmente, afirmando que não a estupraria porque ela não merecia, e não sofreu nenhuma punição.
Outro desdobramento dessa praga brasileira revelou-se no julgamento de uma mulher agredida pelo marido em mais um episódio de violência doméstica tão comum na nossa sociedade. Tão relevante quanto a gravidade do episódio em si é o fato de o caso ter sido denunciado pelo site Papo de Mãe, da jornalista Mariana Kotscho, mais uma expressão da atuação feminina no combate ao machismo estruturando sociedade brasileira.
Um juiz da Vara de Sucessões de São Paulo, cujo nome não foi revelado por o caso estar em segredo de Justiça, fez comentários escabrosos durante uma audiência, sempre de caráter machista, indicando qual seria sua tendência na decisão: “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe, eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, afirmou.
O juiz desmereceu a lei e criticou a mulher por registrar boletins de ocorrência contra o ex-marido, ameaçando-a com a perda da guarda dos filhos: “Ficar fazendo muito B.O. depõe muito contra quem faz. (...) “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.
A audiência foi gravada em vídeo, que está exibido no site Papo de Mãe para quem quiser constatar como o machismo arraigado na nossa sociedade faz com que juizes e deputados se sintam em condições de cometer absurdos, certos da impunidade.
Machismo degradante
O Globo, 20/12/2020