Como sempre em uma democracia não totalmente amadurecida como a nossa, mudanças súbitas no quadro institucional acontecem, alterando o processo em andamento e manobras que estavam em gestação. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Fux, tirou das Turmas e levou para o plenário o julgamento de ações penais, retirando do ministro Gilmar Mendes o controle das ações da Lava-Jato na Segunda Turma.
Paralelamente, a substituição do ministro Celso de Mello pelo desembargador Kassio Marques subiu no telhado. O que parecia ter sido a sorte grande de sua vida acabou se transformando num pesadelo que pode até mesmo inviabilizá-lo para o posto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que almejava, antes de ter sido catapultado para a vaga do Supremo Tribunal Federal (STF) por interesses ainda não claramente identificados.
Assim como, num passe de mágica, apareceu do nada para compor o grupo de chamados “garantistas” no Supremo, cujo objetivo político imediato combina com o de Bolsonaro, de desmoralizar o ex-ministro Sérgio Moro, Kássio Marques pode estar em processo de autodestruição.
As inconsistências no currículo, onde registra título inexistente de pós-doutorado e duvidosas provas de mestrado e doutorado quase ao mesmo tempo, foram agravadas com a denúncia da revista digital Crusoé de que apresentou uma dissertação de mestrado na Universidade Autônoma de Lisboa com “trechos inteiros copiados de artigos publicados na internet por um advogado”.
A revista utilizou um aplicativo chamado Plagium para analisar as 127 páginas do trabalho com que o desembargador ganhou o título de mestre em Direito, e identificou passagens inteiras copiadas de textos do advogado Saul Tourinho Leal, piauiense como ele. Até mesmo um erro de grafia, trocando “Namíbia” por “Naníbia”, foi copiado.
A festa em que estava transformada a indicação de Bolsonaro, com reuniões sociais onde acusados e acusadores, juízes e advogados confraternizavam, está a ponto de desandar. Porém, o que, num país civilizado, seria obstáculo para a indicação de um ministro do STF, no Brasil pode não dar em nada.
Até pela manhã, o desembargador Kassio Marques aparecia no noticiário com duvidosos títulos em seu currículo, mas do jeito que as coisas são feitas por aqui, à base da amizade e do relacionamento pessoal, a confirmação de seu nome pelo Senado parecia não ser problema.
O desembargador aparece todos os dias em jantares, almoços ou bate papo na internet com os senadores que irão argui-lo. Essa ligação pessoal do indicado com quem vai julgá-lo é promíscua. Não me lembro de outro ministro do STF tenha ficado nessa socialização com todos ao ser indicado. As visitas formais de apresentação são naturais, mas nada além deveria acontecer se a sabatina do Senado fosse mesmo para valer.
No entanto, a denúncia da Crusoé eleva o sarrafo na avaliação do candidato pelo Senado, mesmo nesse ambiente. Como ministro, Kassio Marques iria para a Segunda Turma do STF, e seria o voto de desempate da turma, certamente para o lado que frequenta, a favor do grupo dito “garantista”, onde predominam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Agora, pode nem estar na posição de ministro nos próximos dias, e a história pode ser outra. Com a decisão do presidente Luis Fux, apoiada por unanimidade pelo plenário, restarão às turmas os habeas-corpus, como o de Lula argüindo a parcialidade do então juiz Sérgio Moro no seu julgamento no caso do triplex do Guarujá, onde foi condenado nas três instâncias.
Mesmo assim, se a Segunda Turma considerá-lo parcial, o processo volta à estaca zero. Lula, porém, foi condenado em segunda instância em outro processo, o do sítio de Atibaia. Nesse caso, o juiz Moro aceitou a denúncia, mas quem condenou foi a juíza Gabriela Hardt. Vai ser muito difícil para os advogados de Lula conseguir a anulação desta segunda condenação para que ele se torne novamente elegível. Ainda mais agora, que o vento mudou novamente de lado no caso da Lava-Jato.