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Da boca pra fora

 

Assim como continua dizendo que é a favor do combate à corrupção, depois de forçar a saída do ministro Sérgio Moro, também Bolsonaro jura que é a favor do teto de gastos, e garante que o equilíbrio fiscal é o objetivo de seu governo. Conversa mole. O objetivo de Bolsonaro sempre foi a reeleição, que esconjurou durante a campanha.

Foi contra a corrupção da boca para fora, porque lhe rendia votos, e hoje ajuda a desconstruir a Operação Lava-Jato e o ex-ministro Moro. As trapalhadas do Queiroz e os gastos em dinheiro vivo da família mostram que há anos o mesmo sistema de rachadinhas irriga as contas de seus membros. Era a pequena corrupção, a corrupção do baixo clero, como a do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que achacava o dono do restaurante da Casa.

Nunca foi liberal, nem a favor de privatizações, mas percebeu na aproximação com Paulo Guedes que essa era uma escolha que lhe garantiria o apoio do empresariado e do setor financeiro, dava credibilidade à sua candidatura.

Passada mais da metade do segundo ano de governo, Bolsonaro vai mudando de casca, largando pelo caminho promessas, aliados, posições, para proteger os seus e alimentar o eleitorado que depende do governo para sobreviver. Projetos de resgate da pobreza? Só a ampliação do Bolsa-Família. Mudanças estruturais? Desde que não prejudiquem seus potenciais eleitores.  

À medida que vai se arrastando seu mandato, mais perto da eleição, menor a vontade de mexer em velhas estruturas corporativas, como a dos servidores públicos. Lula foi mais prudente, embora também tenha perdido o ânimo para continuar a reforma da Previdência depois dos primeiros embates com sua base sindicalista.  

Mas o PT levou quase um mandato inteiro para colocar as manguinhas de fora. Só no seu segundo mandato o PT achou-se em condições de aplicar sua própria política econômica, a nova matriz do ministro Guido Mantega, que desembocou na falta de controle de gastos e no impeachment da presidente Dilma, de quem Mantega continuou ministro da Fazenda no primeiro mandato.  

Bolsonaro é mais afoito, um a um desestabiliza seus superministros antes do fim do segundo ano de governo, e Paulo Guedes é a bola da vez. Está lutando contra o Centrão, os militares desenvolvimentistas e o Bolsonaro raiz, liberal e contra a corrupção da boca para fora.  

Se acreditasse que Bolsonaro quer mesmo desestatizar, Salim Mattar não teria deixado o governo. A aproximação com o Centrão é mais um obstáculo. Afinal, é preciso ter estatais para dar aos novos aliados. Se achasse que a reforma administrativa é para valer, Paulo Uebel não teria saído.   

O ministro Paulo Guedes nunca esteve tão próximo de deixar o governo, mas acredito que vá brigar até o Orçamento da União ser proposto. Se for incluída, por uma pedalada qualquer, o aumento de gastos em obras de infra-estrutura, e para fazer o Renda Brasil, vai ser difícil que fique.  

Dizem que ele está procurando dentro do governo verbas que estariam sobrando e poderiam ser dadas para aplacar a sede do Centrão, mas achar a esta altura que existem verbas sobrando é quase risível. Já está cortando da educação, e vai precisar de mais para o projeto de reeleição de Bolsonaro.  

Talvez até aguente, porque, dizem, teme que a economia desande caso saia. Mas se ficar sem capacidade de ação, não adianta, pois logo o mercado saberá identificar sua fragilização. Talvez tente também aprovar a reforma tributária, mas com a CPMF digital não vai conseguir. A CPMF é a saída que ele encontrou para financiar as maluquices de Bolsonaro sem furar o teto de gastos.  

O apoio do Rodrigo Maia ajuda, mas não muito, porque ele não aceita a CPMF e é difícil a Câmara aprovar a reforma administrativa que diminua o número e o salário de servidores. E não creio que Bolsonaro tenha ânimo para brigar com uma corporação tão forte.  

Importante é a posição de Maia contra a tentativa de abuso do uso de dinheiro público. Nesta, ele vai brigar com o Centrão, que está ávido por mais verbas. Mas em final de mandato, com perspectiva de Bolsonaro apoiar o Centrão na sucessão da presidência da Câmara, pode ser que Maia não tenha força.

A única coisa que pode contê-lo é a advertência de Guedes de que ele está sendo levado para o impeachment.

O Globo, 13/08/2020