As implicações da condenação em segunda instância voltaram ao debate político em dois planos ontem. No Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão majoritária de que ela interrompe a prescrição da pena. Na Câmara, com as audiências públicas sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância na Comissão de Constituição e Justiça.
O plenário do STF esclareceu uma das pendências mais delicadas provocadas pela mudança da jurisprudência contra a prisão em segundo grau. Interpretando literalmente a Constituição, que prevê que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado do processo, isto é, quando não restarem mais recursos, voltou-se ao tempo em que a prisão era quase uma miragem diante da infinidade de recursos possíveis. Boa parte das vezes a prescrição do crime encerrava o caso antes que a possibilidade de recursos se encerrasse.
O voto vitorioso do relator, ministro Alexandre de Moraes, determina a interrupção da prescrição quando a segunda instância confirma a sentença de primeiro grau, mesmo com aumento ou redução da pena. Essa medida atenua muito a mudança de posição do STF, provocada pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que votara a favor da prisão em segunda instância e mudou de ideia.
Outro que mudou de ideia, e tem o peso de sua posição, mas já não do voto, pois está aposentado, foi o ministro Eros Grau que, há cerca de dez anos, foi o relator que mudou a jurisprudência do caso para proibir a prisão em segunda instância, que vigorava há anos.
Ele continua achando que a Constituição só permite a prisão a partir do trânsito em julgado, mas concorda que é possível alterar os códigos de Processo Civil e Penal para que o trânsito em julgado seja definido depois da condenação em segunda instância, antes dos recursos aos STJ e STF.
Com isso, o artigo 5º da Constituição não precisaria ser alterado, o princípio da presunção de inocência continuaria mantido, pois os recursos, como acontece hoje, não influiriam no mérito da decisão penal.
O ministro Eros Grau, aposentado em 2010, mudou de posição diante de uma proposta apresentada pelo ministro Cézar Peluso, que ontem foi o primeiro a opinar nas audiências públicas da CCJ da Câmara. Como presidente do STF em 2011, foi à Câmara justamente discutir uma proposta de emenda constitucional (PEC), que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário (STJ) e especial (STF) em ações rescisórias.
Por sua tese, o caminho não é alterar a Constituição, o que poderia ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal uma interferência em cláusula pétrea que só pode ser feita por uma Constituinte, mas sim os códigos que definem o que é trânsito em julgado.
Embora essa discussão da prisão em segunda instancia tenha sido incentivada tanto pelo atual presidente do STF, Dias Toffoli, quanto Peluso quando o presidia, outros temas delicados permeiam a convivência com o Congresso.
A iniciativa de deputados de alterar a maneira como é feita a escolha dos seus membros está sendo considerada pelos ministros do Supremo uma provocação, embora não atinja os ministros já nomeados.
A sensação é de que o Congresso, ao querer ter a delegação para a escolha de parte dos ministros, pretende na verdade fazer pressão sobre os futuros nomeados. Uma escolha com indicação de órgãos representativos de advogados (OAB), procuradores (PGR) e Congresso resultaria em ministros corporativos, na opinião dos contrários à ideia que ganha forca entre os parlamentares.
Há ainda outros aspectos, sobre o qual a economista Cristina Pinotti, especialista na Operação Lava-Jato, me chamou a atenção. Com a permanência do foro privilegiado, que ficou mais restrito, mas não a ponto de evitar conflitos de interesses, o candidato ao STF sabatinado poderá vir a ser o julgador no futuro dos senadores.
Na fórmula atual, já paira uma sombra sobre a sabatina para a aprovação, sempre muito generosa com o indicado. Com a garantia de que a Câmara e o Senado indicariam parte dos membros do Supremo, os compromissos implícitos seriam mais evidentes.