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Congresso dominante

 

Uma febre revisionista toma conta do Congresso, que vem ocupando o espaço decisório deixado vazio pelo Executivo, comandado por um Bolsonaro completamente sem apetite para as coisas grandes, e voltado diuturnamente para as pequenezas.

Assim como a atuação do Congresso estabelece um parlamentarismo branco, também há em andamento uma Constituinte não declarada. Depois de anos de inação, dependendo do Executivo para tomar decisões, o Congresso parece estar gostando de assumir o protagonismo, o que tem sido bom para o país na maior parte das vezes.

Mas quando o Congresso resolve mudar a Constituição com objetivo político de se auto-blindar, mesmo as decisões corretas em si acabam sendo problemáticas. É o caso do juiz de garantias, figura existente em diversos países que poderia ser um avanço democrático se não fosse tirado do bolso do colete para travar o combate à corrupção pelos juízes de primeira instância, que têm tido papel preponderante na Operação Lava-Jato.

A prisão em segunda instância, que havia sido um avanço do Judiciário em direção ao fim da impunidade, foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora volta à discussão no Congresso. Uma proposta de emenda constitucional (PEC) está em discussão, sem que haja certeza nem de sua aprovação, nem se será considerada constitucional pelo STF.

Duas outras mudanças estão em gestação no Congresso, uma com a intenção de barrar a entrada na política de juizes e procuradores, outra para controlar a nomeação de juízes para o Supremo, hoje dependente unicamente do Presidente da República.

A quarentena de quatro ou de oito anos para um magistrado disputar cargo eleitoral tem endereço certo: impedir que o hoje ministro Sérgio Moro, indicado eventualmente para o STF por Bolsonaro para livrar-se dele como candidato à presidência da República, seja impedido de pensar na hipótese.

Assim, não apenas Bolsonaro, mas os políticos em geral, travariam uma possível carreira parlamentar de Moro, ou mesmo sua chegada à presidência da República. A outra PEC pretende tirar do presidente da República a exclusividade da escolha dos membros do Supremo, dando ao Congresso um poder maior.

A indicação seria feita a partir de uma lista tríplice, com nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Procuradoria-Geral da República e pelo próprio STF. Há outras propostas que incluem o Congresso entre os que indicariam os candidatos ao presidente.

Outra PEC quer fixar um mandato de 10 anos para os ministros, mantendo a idade de 75 para a expulsória. Há bons motivos para essas mudanças, não apenas dar aos parlamentares um maior poder de barganha e uma blindagem política.

O Brasil segue o modelo dos Estados Unidos para a escolha de seus ministros da mais alta Corte, com diferenças a nosso favor a meu ver. Nos Estados Unidos, o cargo é vitalício mesmo, não havendo prazo fatal para aposentadoria. Há casos em que o juiz que já não tem condições de atuar é constrangido por seus pares a renunciar, numa ação delicada e cheia de sutilezas. Lá o presidente da República escolhe o presidente da Suprema Corte, cargo que também é vitalício.

Alguns países têm mandatos: Alemanha, 12 anos, Portugal, 10 anos, Espanha 9 anos. A maior parte tem o Congresso como avalizador da escolha, não apenas por uma sabatina. Participam também da indicação. Na Alemanha, metade dos 16 integrantes é escolhida pelo Bundestag, que é o parlamento, e outra pelo Bundesrat, órgão constitucional.

Na Espanha, o Congresso escolhe quatro dos doze membros do Tribunal Constitucional, o Senado outros quatro, dois são escolhidos pelo Judiciário e dois pelo governo. e dois pelo judiciário. Na Franca, além dos ex-presidentes que são membros vitalícios, três são indicados pelo Parlamento, três pelo presidente da Assembléia Nacional, três pelo presidente do Senado.

Na Corte Constitucional da Itália, cinco dos 15 membros são indicados pelo Parlamento, outros 5 pelo presidente do país, e o outro terço pelas cortes superiores. Em Portugal, dez dos membros do Tribunal Constitucional são eleitos pela Assembléia da República, e três pelo próprio Tribunal.

Como se vê, não há nada de mais em o Congresso querer participar da escolha dos membros do STF, embora o Senado, no modelo atual, já pudesse fazer uma sabatina mais rigorosa para sacramentar a escolha do presidente da República.

O Globo, 05/02/2020