O tempo da política não é o mesmo do da economia, às vezes pode acelerar as medidas econômicas, outras retardá-las, como está acontecendo agora.
O presidente Bolsonaro deu a deixa ao dizer que a reforma administrativa vai demorar “um pouquinho mais”, e perguntar: “Pra que tanta pressa?”. A pergunta não é uma simples ironia do presidente, mas a revelação de um estado de espírito.
Foi o mesmo recado que passou ao ministro da Economia Paulo Guedes, mandando que não vá com tanta sede ao pote. O faro de Bolsonaro indica que o momento político na América do Sul não está para reformas que provoquem a percepção de risco aos direitos, especialmente os dos servidores públicos.
O fantasma do Chile, e das manifestações de 2013 no Brasil fazem com que Bolsonaro mande Guedes tirar o pé do acelerador. Lá como cá, a motivação foi o aumento da tarifa dos transportes públicos, que levou os estudantes às ruas.
Como em Santiago agora, porém, a repressão policial considerada pela opinião pública como excessiva foi a faísca que desencadeou a adesão maciça das populações de diversas cidades e Estados, ampliando a pauta dos protestos em reivindicações latentes, como o combate à corrupção e a melhoria dos serviços públicos em geral.
“Não é apenas pelos 20 centavos” foi a explicação popular para a rebelião, assim como em Santiago, onde os estudantes secundaristas protestaram organizando as “invasões”, quando centenas deles pulavam a catraca das estações de metro para protestar.
Os 15 centavos (em reais) do aumento levaram a outras reivindicações, revelando um descontentamento da população que era mascarado pelos bons índices econômicos.
O modelo liberal implantado ainda na ditadura de Pinochet, que não foi alterado substancialmente mesmo nos governos socialistas, está em debate.
A oposição chilena de esquerda ao governo liberal de Sebastian Piñera acusa o modelo de não reduzir a desigualdade no país, embora o Chile tenha o mais elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, considerado “muito alto”, e um Coeficiente de Gini (0,45) em média melhor que a maioria dos países vizinhos, e seja o país latinoamericano com a renda per capita mais alta (US$ 15.346 em 2018).
Um dos pontos mais afetados pela percepção popular de injustiça social é a falta de garantias sociais, como o modelo de Previdência por capitalização. Esse mesmo modelo era uma das principais medidas propostas pela equipe econômica de Paulo Guedes, que trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet.
O Congresso rejeitou a medida, e, diante da realidade chilena nesse momento, Bolsonaro mandou esquecer o assunto. O professor e comentarista político Álvaro Vargas Llosa, especialista em América Latina, diz que essa percepção de injustiça social é provocada pela falta de reformas no modelo, e à crise econômica mundial, que reduziu o ritmo de crescimento econômico do país e, conseqüentemente, a mobilidade social.
Uma das razões dos protestos atuais no Chile é o custo de vida alto em relação ao salário mínimo. Para não mexer nesse vespeiro, o presidente Bolsonaro deu uma freada de arrumação em seu governo, e vai dividir as reformas restantes em etapas.
A reforma administrativa, que pretende mexer na estabilidade do servidor público e reorganizar as carreiras, para que a progressão seja feita mais lentamente e de acordo com critérios de produtividade e meritocracia, não atingirá quem já estiver no serviço público.
O faro político de Bolsonaro não corresponde ao do presidente da Câmara Rodrigo Maia, que está disposto a aprofundar as reformas. A administrativa está com estudos adiantados no Congresso.
A mudança no Imposto de Rena, que será enviada no primeiro trimestre do próximo ano, vai ampliar a isenção e aumentar a tributação dos mais ricos, o que não gera convulsão social.
Assim como, na reforma da Previdência, o presidente Bolsonaro tinha dificuldades para defender mudanças nos setores mais ligados a ele, como os militares e os membros de forças públicas, desta vez ele não está disposto a enfrentar corporações que podem ser afetadas.