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Projeto Nordeste

 

O previsível projeto do governo Bolsonaro de investir no nordeste, reduto político que restou ao PT, região em que o candidato Fernando Haddad recebeu 51% dos votos nas recentes eleições presidenciais, depende tanto ou mais da descentralização das verbas federais, quanto da Bolsa-Família ou de obras de infraestrutura como a transposição do rio São Francisco ou a Transnordestina, que o General Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete Civil, citou como exemplos. 

O economista Winston Frischt, ex-secretário de Política Econômica no governo Itamar e colaborador do Plano Real, um estudioso da questão, destaca que o controle das regiões mais pobres do país pelo governo da vez é uma prática que vem do Império e continuou com a República até os dias de hoje. Mas não há dúvida de que, além da centralização das verbas, o programa Bolsa-Família solidificou o domínio político petista na região, onde um em cada três domicílios recebe recursos do Bolsa Família, de acordo com o PNAD. 

Dos 18,3 milhões de domicílios da região, mais de 6 milhões recebem o benefício, o que corresponde a 31% da população. Nas outras regiões, essa proporção é bem menor: Centro-Oeste (9,2%), Sudeste (6,9%) e Sul (5,4%). O resultado é que Jair Bolsonaro venceu em 17 Estados, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e na maior parte da região Norte. Já o petista Fernando Haddad ganhou em 8 dos 9 Estados do Nordeste e no Pará, no Norte. 

A vantagem de Bolsonaro no Sul, de mais de 600 mil votos, praticamente neutralizou a de Haddad no Nordeste, por volta de 700 mil votos. Mas, para o economista Winston Frischt, não é preciso controlar o Bolsa-Família para controlar politicamente o Nordeste. 

Ele destaca que desde a Primeira Republica a região é controlada, especialmente via suas elites políticas, por verbas federais em sua totalidade. O mapa da eleição do fim de cada era de governos muito impopulares, como o dos militares e os dos últimos anos, é o mesmo: a ARENA e o PT levaram o Nordeste, mas perderam os estados mais desenvolvidos e os principais centros urbanos do país. 

Segundo Winston Frischt, o controle centralizado das partes mais remotas do território brasileiro vem, de fato, do Império e na República o processo foi remontado politicamente na virada do século passado: “Um acordo com base federativa, pois as bancadas eram essencialmente "de estado", onde o toma lá dá cá garantia a estabilidade”. 

O esquema foi reconstruído, segundo Winston Frischt, de forma estável, mas manu militari, pelas ditaduras de 37-45 e 64-85. A ditadura de 64 centralizou de novo e brutalmente os recursos financeiros públicos na esfera federal, mas, a partir da eleição de 74, a ARENA perde o Sudeste-Sul, acabando como regime dominante apenas nos grotões do país. 

No regime de 1988, durante os governos "estáveis" do PSDB, o modelo que Winston Frischt chama de “parlamentarismo de coalizão/cooptação” foi usado com base em partidos/bancadas, onde as elites locais dos estados menos desenvolvidos disputavam verbas ou empresas públicas. 

No período do PT, ressalta Frischt, o “parlamentarismo de corrupção” mudou o jogo, comprando partidos no atacado. O mapa das eleições onde o PT é vitorioso demonstra isso. Alckmin, Serra e Aécio ganham de Lula e Dilma no Sul, SP e Centro-Oeste, mas levam surras nos lugares mais pobres. 

O Nordeste, analisa Winston Frischt, tem peso demográfico e, portanto, eleitoral, ao contrário do Centro-Oeste e o Norte, e parte importante das elites ainda controla os eleitores, especialmente no interior dos estados. Frischt acredita, porém, que a dinâmica futura deste modelo está condenada, pois o Nordeste tende a perder peso demográfico com o deslocamento da fronteira agrícola.

Sobretudo, as elites atrasadas perdem capacidade de entregar voto com a urbanização avassaladora no Brasil, com o crescimento do voto corporativo-religioso e com o novo mundo da competição política, com o crescimento da comunicação de baixo custo via redes de internet. O crescimento de

Bolsonaro nos centros urbanos do nordeste é sinal disso, diz ele, para concluir: “Se o novo governo realmente descentralizar políticas e verbas públicas, e concluir a privatização inacabada, e a reforma política criar cláusulas de barreira e voto distrital, esta distorção centenária da democracia brasileira será ferida de morte”.

O Globo, 20/11/2018