Não foi surpresa a decisão pessoal do ex-presidente Lula de esticar a corda até onde for possível para manter sua candidatura à presidência da República no centro do debate político. Lula está convencido de que quanto mais tempo conseguir fazer a disputa jurídica nos tribunais superiores, mais protagonizará a cena eleitoral, tornando secundária a transferência de votos para seu vice Fernando Haddad.
Há quem veja nessa estratégia, que parece arriscada a muitos, a visão de longo prazo de Lula sobre sua própria liderança na esquerda brasileira. Perder a eleição não seria o pior cenário para o PT, que poderia compensar essa perda com a eleição de fortes bancadas no Congresso e no plano estadual, para comandar a oposição a um possível governo Bolsonaro.
Lula não deve ficar preso o tempo de sua pena, beneficiando-se da complacência de nossa legislação, e, com um pouco de sorte dele, ano que vem o Supremo Tribunal Federal (STF) mudará o entendimento sobre a prisão depois da condenação em segunda instância, e ele poderá comandar seu grupo de fora do poder, esticando o mais possível os recursos ao STJ e ao STF.
Mesmo que venha a ser condenado em outros processos, o que é provável, terá os recursos infindáveis previstos na legislação para prosseguir sua luta política até que uma eventual anistia o libere. Para isso, precisará de uma forte presença no Congresso.
A possibilidade de seu avatar Fernando Haddad vir a ser competitivo a ponto de disputar o segundo turno é grande, mas não tão certa quanto os petistas mais militantes imaginam. Se as pesquisas depois das primeiras semanas de campanha eleitoral confirmarem a posição estável de Bolsonaro, mesmo com as críticas ácidas que vem recebendo, uma possibilidade é termos um segundo turno entre Bolsonaro e PT, ou Filipinas contra Venezuela, o que não é uma perspectiva animadora para o futuro do país.
O presidente filipino Rodrigo Duterte foi eleito com uma proposta de resolver um dos maiores problemas do país na bala, e tem cumprido a promessa: manda fuzilar os traficantes. Há poucos dias, disse que enquanto houver mulheres bonitas, haverá estupros, outro dos problemas das Filipinas.
Sua fala implicitamente concorda com a agressão que o candidato brasileiro Jair Bolsonaro fez à deputada Maria do Rosário, a quem disse que não valeria a pena estuprá-la. Por isso, responde a um processo no Supremo Tribunal Federal.
Fernando Haddad seria o representante do PT bolivariano com cara de social-democrata, o seu oposto, com toda a tragédia econômica provocada pelos erros, omissões e corrupção dos governos petistas e promessa de crise social que estamos vendo na Venezuela de Chaves e Maduro.
O socialismo do século XXI, louvado em prosa e verso até hoje pelo pensamento predominante no PT, seria uma perspectiva real diante uma possível vitória de Haddad, que vem se mostrando de uma lealdade canina a Lula que pode ajudá-lo a ser ungido, mas também transformá-lo em um presidente fragilizado por sua própria base parlamentar, com o predomínio do lulismo a guiá-lo para um radicalismo tão perverso quanto o de Bolsonaro.
O PT já está demonstrando o desprezo pelas instituições democráticas aproveitando-se das brechas legais para denunciar uma perseguição politica que não existe. Depois da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de flexibilizar a interpretação da legislação eleitoral permitindo que o candidato a vice faça propaganda como se fosse o candidato efetivo, o PT foi além, mantendo no ar a propaganda com Lula como candidato a presidente, e decidiu esgotar o tempo legal para contestar na ONU a Justiça brasileira, reforçando a imagem de que Lula é um preso político.
Os ministros substitutos do TSE, que cuidam da propaganda oficial, têm a fama de serem duros ao fazerem cumprir a lei, e ontem mesmo um deles já obrigou o partido a retirar uma propaganda do ar que ainda mostrava Lula como o candidato à presidência da República.
É possível que nos próximos dias as brechas na legislação sejam tampadas por outras decisões desse tipo, obrigando o partido a oficializar a substituição da candidatura de Lula. Ou, quem sabe, a assumir a atitude suicida de prejudicar a campanha presidencial para tentar aumentar sua bancada no Congresso, armando-se para o confronto com o futuro presidente, seja ele quem for.