A nota do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendendo a imediata saída do senador Renan Calheiros da presidência do Senado, depois que ele foi considerado réu por acusação de peculato no Supremo Tribunal Federal (STF), nada mais representa do que colocar o bom senso, a moral e os bons costumes a serviço da democracia.
Já tendo o plenário do Supremo, pela maioria de seis ministros, se pronunciado a favor do impedimento de assumir a presidência da República integrante da linha de substituição que seja considerado réu, o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, o que impede a execução da decisão já tomada.
Quinta-feira, durante o julgamento do caso de Renan Calheiros, diversos ministros, a começar por Teori Zavascki, relator dos processos oriundos da Operação Lava Jato, defenderam-se da acusação de demora do Supremo em tomar decisões sobre os processos de políticos. O caso de Renan Calheiros teve início em 2007, mas só chegou ao STF em 2013, sendo agora colocado na pauta.
Os ministros foram unânimes em afirmar que a demora deve-se às investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Ontem, porém, foram divulgados detalhes reveladores sobre a burocracia do próprio Supremo. O ministro Dias Toffoli, acusado por mim de estar demorando a liberar o processo que pode afetar Renan Calheiros para favorecê-lo a permanecer na presidência do Senado até o fim de seu mandato, em fevereiro, divulgou nota afirmando que até ontem não recebera “os autos da ADPF 402 e, por essa razão, nos termos do art. 1º da Resolução do STF nº 278, de 15 de dezembro de 2003, que regulamenta o art. 134 do Regimento Interno, o prazo para devolução da vista ainda não se iniciou.”
Esse prazo, segundo o regimento, é de dez dias, prorrogáveis por mais dez, a partir do momento em que o juiz que pediu vista recebe o processo. O pedido de vista foi feito no dia 3 de novembro, uma quinta-feira, e o prazo legal terminaria no dia 23, se o ministro Toffoli tivesse recebido o processo no dia seguinte.
Logo depois que sua nota foi divulgada, ontem à tarde, o gabinete do ministro Marco Aurélio Mello, que era o relator do processo, o enviou a Toffoli. Pelo regimento, o prazo para a devolução da vista encerra-se agora no dia 21 de dezembro, um dia depois do início do recesso do Supremo.
Acontece, porém, que o procedimento descrito por Toffoli em suas notas oficiais não se coaduna com os tempos informatizados do Supremo. Antigamente, bem antigamente, os autos eram físicos e o pedido de vista significava justamente ter acesso ao processo, que ficava sob a guarda do relator. Já há muito tempo, porém, os processo são eletrônicos, e estão disponíveis a todos os ministros, sem necessidade de que o relator os libere.
Se o ministro Dias Toffoli tivesse se debruçado sobre o processo no dia seguinte à sessão em que pediu vista, poderia tê-lo liberado dez ou vinte dias depois. Toffoli usou a seu favor argumentos "analógicos" em tempos digitais.
Formalmente, o recesso termina no dia 6 de janeiro, mas há uma portaria, devido às férias dos advogados, fixando que os prazos dos processos ficam suspensos até o final de janeiro, não havendo sessões nesse período.
Portanto, graças a uma combinação de leniência e burocracia, o senador Renan Calheiros poderá encerrar sossegadamente seu mandato de presidente do Senado a 1 de fevereiro, quando será eleito seu sucessor.
Com a decisão da maioria dos membros do STF já tomada, é inevitável que em algum momento do início do próximo ano o processo seja encerrado, colocando todos os que estão na linha de substituição do presidente sujeitos às novas regras.
Por isso, aliás, há lógica no projeto de lei apresentado pelo deputado Miro Teixeira impedindo que réus sejam candidatos a presidente e vice-presidente da República. Se o próprio presidente não pode ser réu, muito menos alguém que se candidate ao cargo ou tenha que substituí-lo eventualmente pode sê-lo.