A relação do governo com sua base parlamentar está longe de ser tranquila, e nem poderia, diante da miríade de partidos que a compõem e, sobretudo, pelos projetos que têm que ser aprovados ainda este ano, para que a economia entre nos trilhos, sinalizando com tempos melhores num futuro nem tão próximo assim.
A legalização de dinheiro legítimo guardado no exterior fora das normas legais, por exemplo, é uma barreira que surge entre a nova votação da PEC 241 na Câmara e a chegada da reforma da legislação previdenciária, temas polêmicos que necessitam uma unidade política sólida para resistir às pressões corporativas.
É natural que deputados e senadores queiram opinar sobre projetos tão importantes, defendendo posições de suas bases eleitorais. O fundamental é que parece não haver dúvida de que a legislação já tem barreiras suficientes para impedir a formalização do dinheiro proveniente de atividade ilegais, inclusive a corrupção.
A atitude do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, desprezando os incômodos causados na Câmara pela falta de apoio para mudanças no projeto de repatriação, demonstra que ele ainda não aprendeu as manhas da política. O presidente Michel Temer, que as sabe de cor e salteado, não fosse presidente do PMDB por tanto tempo, tratou de acalmar o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, também ele buscando firmar-se como uma liderança de peso nesse mundo político tão conturbado.
Meirelles, acatando as pressões de sua equipe econômica, especialmente da Receita Federal, está satisfeito com a lei já existente, e não se preocupa se os deputados desistirem de votar algumas modificações. Temer, sentindo cheiro de queimado no ar, autorizou novas negociações, especialmente em torno da proibição de parentes de autoridades atingidas pela limitação da lei e a data de corte para avaliação do dinheiro no exterior sujeito a tributação, se o filme do tempo em que ficou fora da lei, ou a foto do último dia de 2014.
O trecho polêmico diz que “Os efeitos desta Lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei”.
A proibição direta de políticos e outras autoridades não parece trazer dúvidas, pois um ônus do exercício de cargo público é submeter-se a um escrutínio mais rigoroso, diante da exigência constitucional de “legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”, mas parece saudável que se busque um texto que limite as restrições de parentes aos casos em que o dinheiro lícito guardado no exterior tenha relação direta com o familiar ocupante de posição pública.
Essa relação de causa e efeito precisa estar bem explícita, pois não parece lógico que o cônjuge com separação total de bens não possa movimentar seu dinheiro, por exemplo. Para ficarmos num caso conhecido de todos, a legislação deveria impedir que a mulher de um político com um truste não declarado no exterior legalize esse dinheiro.
O embate entre a Receita e os políticos, que naturalmente defendem interesses que têm que ser legítimos, é mais do que normal, mas pode ser resolvido com uma negociação transparente. O que é preciso é que as normas estejam claras e sejam aprovadas em todas as instâncias, para que a insegurança jurídica não inviabilize, ou pelo menos atrapalhe, um instrumento que o governo tem de se capitalizar.
Também é natural que os governadores queiram um pedaço dessa arrecadação, e não deve ser impossível chegar-se a um acordo.
Outra atitude sensata do presidente Michel Temer foi a de não retaliar os membros da base aliada que não deram seu voto à PEC 241. Ele preferiu anunciar que faria uma DR (discutir a relação) com esses membros, para entender o que dificulta suas adesões aos projetos do governo. Como são uma minoria de 10 a 15 deputados, o trabalho de convencimento não deve ser difícil. Os argumentos é que não podem fugir das normas republicanas.