O presidente Michel Temer, que não tem a confiança de 68% dos brasileiros, como revelou ontem pesquisa do Ibope/CNI, disse que a alta de não-votos nas eleições municipais (abstenções, votos nulos e brancos) era um recado para os políticos brasileiros.
Já o presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que se a política não se reinventar, se não forem feitas as reformas do sistema político-eleitoral, a classe política perderá cada vez mais prestígio.
Pois bem. Os dois são personagens exemplares de como a teoria nada tem a ver com a prática na política brasileira, e isso explica, mais que as palavras vãs de Temer e Calheiros, porque chegamos aonde estamos, e porque falta confiança nos nossos políticos.
O presidente Michel Temer, depois de titubear mais de três meses, decidiu finalmente nomear o deputado federal do PMDB de Alagoas Marx Beltrão para o ministério do Turismo. A dúvida de Temer devia-se a uma questão simples: o novo ministro está respondendo a um processo por falsidade ideológica no Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando prefeito de Coruripe (AL), Beltrão teria apresentado ao Ministério da Previdência Social comprovantes de repasse e recolhimento contendo informações falsas. Temer considerava, com razão, até ontem, que seria temerário nomear um ministro que pode ser condenado pelo Supremo a qualquer momento.
E o que fez Temer mudar de ideia? Oficialmente, um parecer do advogado Aristides Junqueira, ex-Procurador-Geral da República, inocentando o deputado alagoano. Como se o parecer de um advogado contratado para defende-lo pudesse inocentar liminarmente o deputado sob investigação, passando por cima do STF.
Na verdade, a mudança foi provocada pela ameaça da bancada de seu próprio partido, o PMDB, de boicotar as reformas que estão no Congresso. Renan Calheiros, que preside um outro Poder, o Congresso, obteve a nomeação de seu protegido depois de um almoço com o presidente da República em que fizeram um balanço da situação eleitoral do governo no Congresso para a aprovação das reformas.
Não é fácil entender o que se passou no almoço, embora a versão oficial negue qualquer tipo de pressão política. E é justamente por isso que o cidadão comum se indigna com as politicagens, que o infantilizam.
No mesmo dia em que obteve essa vitória política, Calheiros teve a notícia de que o ministro Fachin liberou para votação em plenário um dos vários processos contra ele, mais precisamente um que estava tramitando a nada menos que 9 anos.
O inquérito, sob sigilo de Justiça, apura se a empreiteira Mendes Júnior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem Calheiros tem uma filha. Quando surgiu a denúncia, em 2007, o escândalo foi tão grande que Renan Calheiros teve fazer um acordo: renunciou à presidência do Senado para não ser cassado e perder o mandato.
As investigações feitas até agora revelaram que o parlamentar não tinha dinheiro suficiente para pagar a pensão que Mônica Veloso recebia. Segundo a denúncia do Procurador-Geral da República, também ele apresentou documentos falsos para comprovar que tinha condições de arcar com a despesa. Na ocasião, reportagens demonstraram que era falsa a alegação de Calheiros de que ele vendera gado para cobrir as despesas.
Calheiros alega que o caso “não envolve recurso público”, como se isso fosse uma explicação razoável. Um presidente do Senado que recebe favores de empreiteira tem sobre si uma suspeita inarredável, tanto que na ocasião criou-se uma situação insustentável que o levou a renunciar à presidência do Senado.
São essas e outras que fazem com que a classe política esteja sendo rejeitada pela população, e nem o presidente do Senado nem o presidente da República demonstram ter condições de comandar uma mudança de atitudes, embora ambos saibam perfeitamente o que está acontecendo.