O momento atual caracteriza-se, como se sabe, pela coexistência de várias crises — econômica, política, ética, ambiental, de saúde. Ao longo da história contemporânea, elas existiram isoladamente, algumas até mais graves, como a que levou Getúlio Vargas ao suicídio ou a que fez Jânio renunciar. Mas não me lembro de uma que conjugasse todas ao mesmo tempo. Se ainda faltava alguma, ela surgiu esta semana: a crise das tornozeleiras eletrônicas, um produto de primeira necessidade para a polícia. A demanda está superando a oferta, ou seja, há tornozelos demais no mercado do crime. A causa se deve à eficiência da operação Lava-Jato e, no caso do Rio, à falência do estado, que não tem dinheiro para pagar as dívidas com o fornecedor do equipamento.
Pelo menos cinco desses tornozelos suspeitos não gostaram da descoberta feita pelos repórteres Mariana Sanches, Luiz Souto e Tiago Dantas. São eles o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o empresário Fernando Cavendish e outros três, todos acusados de integrar o esquema que desviou R$ 370 milhões de obras públicas feitas pela Delta, inclusive na reforma do Maracanã. Graças a uma generosa decisão judicial, eles se preparavam para gozar o conforto de uma prisão em casa, quando, por culpa da falta dos adereços de perna, foram transferidos para o presídio Bangu 8, onde tiveram que seguir o ritual de todos os delinquentes que vão parar ali: vestir o uniforme de presidiário e ter o cabelo cortado rente. Para o contraventor, que continuava solto apesar de condenado a 39 anos por crimes de peculato, corrupção e formação de quadrilha, tudo era lucro. Mas para Cavendish, vindo da Europa e preso no aeroporto, foi um triste desfecho de viagem. A foto 3x4 dele sem a invejável cabeleira (pelo menos para quem é careca) lembrava, por contraste, a divertida imagem de quatro anos atrás, quando, num luxuoso restaurante de Paris, foi flagrado dançando com guardanapo amarrado na cabeça numa animada noite — ele e três secretários do então governador Sérgio Cabral, que estava no jantar, mas não apareceu na foto.
O vexame de agora poderia ter sido evitado, se os hóspedes provisórios de Bangu 8, tão habilidosos nas tenebrosas transações, tivessem tido a ideia de pagar os R$ 2,8 milhões de dívida atrasada das tais tornozeleiras, uma ninharia para uma empresa como a Delta, que faturou bilhões construindo e restaurando estádios, rodovias, pontes, viadutos em todo o país. Teriam evitado não só o próprio constrangimento, como o da cidade, já com tantos problemas às vésperas da Olimpíada.