Estaria havendo rejeição aos partidos tradicionais, desconfiança nos políticos moderados e descrença na capacidade de a democracia promover o desenvolvimento.
Ao contrário dos tempos utópicos em que a esquerda, cheia de crença no futuro, anunciava que “o mundo marcha para o socialismo”, o vento agora parece estar soprando para a direita e — isso é que é grave — para a extrema-direita. O ministro José Serra disse que o Brasil não será afetado diretamente por essa crise, já que é “pequena a participação (1,52%) do mercado britânico nas nossas exportações”. Mas, e em relação ao vento, será que já não está soprando por aqui? Quem pode garantir que não? Uma das características dessa era de incertezas é a ocorrência do improvável. A vitória do chamado Brexit era possível, tanto que aconteceu. Mas não era provável. Os jornalistas se surpreenderam, os institutos de pesquisa pediram desculpas por errarem o resultado, as bolsas despencaram, o mundo levou um susto.
Como os vitoriosos foram políticos intolerantes como Nigel Farage, líder dos ultradireitistas, xenófobo, odiando os imigrantes e querendo-os fora das fronteiras, muitos analistas tentaram explicar a tendência, que, com variações, se manifesta em outros países, como a França de Marine Le Pen e os EUA, onde o inimaginável Trump ameaça Hillary Clinton. Uma das constatações é que estaria havendo rejeição aos partidos tradicionais, desconfiança nos políticos moderados e descrença na capacidade de a democracia promover o desenvolvimento econômico e diminuir a miséria. Em suma, estaria ocorrendo uma espécie de retrocesso democrático.
No Brasil, não temos medo de estrangeiros nem temos fundamentalismo étnico, apesar do racismo. Mas, mesmo assim, a bancada progressista no Congresso perdeu muito espaço. Para só citar os dois exemplos mais conspícuos da Câmara: o pastor Feliciano foi eleito com 400 mil votos e Jair Bolsonaro, o mais votado do Rio, com 446 mil. Os dois se notabilizaram por posições obscurantistas como o combate ao movimento LGBT, quando até o Papa Francisco quer que a Igreja peça perdão aos homossexuais. O primeiro chegou a propor a “cura gay”, um absurdo que provocou repulsa da OAB e de entidades de defesa dos direitos humanos. O outro, que já homenageou torturador, é réu no STF por injúria e por incitação ao estupro, ao ofender uma colega dizendo que não a estupraria porque ela “não merecia”. Um blog afirmou que “sua popularidade disparou” depois da decisão do Supremo. Ele é exaltado por não ter aparecido ainda na lista da Lava-Jato, como se isso fosse um feito extraordinário, e não a obrigação de qualquer homem público.
Se o país não tomar jeito, se a incerteza continuar, a extrema-direita pode dar muito trabalho à nossa democracia.