A decisão do provável futuro presidente da Republica Michel Temer de retomar o plano inicial de redução do tamanho do Estado, começando pelo corte simbólico de 10 ministérios, e incluindo o anúncio de redução de cargos em comissão logo no seu primeiro pronunciamento, é uma boa novidade nesse nosso presidencialismo de coalizão tão deturpado.
Temer andou flertando com um ministério que seria mais do mesmo, e até com algumas extravagâncias adicionais, como entregar a pasta de Ciência e Tecnologia ao Bispo Macedo ou nomear para a Justiça um advogado que já se declarara contrário à Operação Lava-Jato.
Seria uma ducha de água fria nos que aguardam um recomeço em novas bases do governo, mesmo que o PMDB não inspire confiança no quesito combate à fisiologia, embora seja fundamental na garantia da democracia, que sempre foi seu compromisso histórico.
A reação da sociedade, refletida nos principais meios de comunicação do país e nas redes sociais, fez com que Temer e seu grupo mais próximo se sentissem incentivados a enfrentar a mudança de hábitos exigida pelo momento.
Compatibilizar a necessidade de reformas estruturais com a governabilidade no Congresso é uma tarefa complexa, que terá em Temer, presidente da Câmara três vezes, o artífice ideal. Ontem na Academia Brasileira de Letras, em sequência do ciclo de palestras sobre Os papéis dos Poderes, o cientista político Sérgio Abranches analisou as características do presidencialismo de coalizão, expressão que ele criou em artigo de 1988, depois que a Constituição promulgada estabeleceu as condições de governo da redemocratização.
De lá para cá o sistema foi sendo distorcido pelas peculiaridades político-partidárias em vigor, e acabamos tendo um ministério hipertrofiado que, como explicou Abranches, em vez de auxiliar na governabilidade, coloca obstáculos a ela.
A base de comparação com os diversos governos europeus que são de coalizão mostra que quando eles são montados por poucos partidos, mas com substância programática, é mais fácil ao governante traçar as linhas de conduta. Quanto mais partidos fizerem parte da base governista, mais o governante ficará refém das diversas facções nela representadas.
A situação brasileira é exemplar disso, pois a partir do episódio do mensalão, os governos petistas optaram por ampliar sua base de apoio, não com o objetivo de aprovar reformas, mas, como classifico, de montar uma coalizão defensiva, que evite CPIs ou processos de impeachment o que, como estamos vendo, nem mesmo isso evita.
A coalizão montada para os governos Dilma, por receio de Lula de que ela não tivesse apoio parlamentar, foi das maiores já montadas em governos brasileiros o que, em vez de garantir a governabilidade, fez com que a presidente ficasse refém, e por fim fosse abandonada, pelos partidos da base assim que sentiram para que lado o vento estava soprando.
Como Sérgio Abranches lembrou, um governo montado à base de programas partidários pode até mesmo acomodar forças políticas antagônicas, como aconteceu na Alemanha de Angela Merkel.
A reforma da Previdência, que era prioritária para seu partido, acabou saindo da negociação da coalizão por pressão dos aliados, que acabaram ficando com o ministério da Previdência justamente para garantir que ela não seria realizada.
Aqui, no provável governo Temer, aconteceu o contrário. Como nenhum partido quis assumir a reforma que precisa ser feita, a Previdência ficará sob o comando do Ministério da Fazenda, e caberá Henrique Meirelles criar as condições favoráveis à sua aprovação no Congresso.
O cientista político Sérgio Abranches lembrou ainda que para governar, não é preciso ter uma maioria que abranja 60% ou 70% do Congresso, como vem acontecendo. Quando chegar a hora de fazer uma reforma constitucional, é possível criar uma maioria qualificada eventual para resolver aquela reforma específica.
Outro exemplo interessante é o do ministério da Saúde, que embora tenha ficado com um deputado do PP que nada tem a ver com o assunto, ele foi obrigado a buscar apoio na área médica e assumiu compromissos com importantes especialistas do setor, que participarão da gestão.
Ontem Temer garantiu a interlocutores que fará uma reforma administrativa no Estado, reduzindo os cargos comissionados. Os partidos da base aliada estão inquietos com as novidades, mas pode ser que a pressão da sociedade, e os sustos que os políticos estão tomando com as ações policiais em diversos setores, comecem a fazer efeito no relacionamento do Legislativo com o Executivo.