Cenas de depravação e perversidade de documentário, recolhidas em vários países, passaram a ser norma pela frequência em jornais e telas de TV, sem falar na internet.
A expressão “mundo cão” popularizou-se a partir de 1962, quando o filme italiano com esse nome disputou e perdeu a Palma de Ouro em Cannes para o brasileiro “O pagador de promessas”. Era um “shockumentary”, ou documentário chocante, com cenas de depravação e perversidade, recolhidas em vários países. A reação foi a prometida: um choque. Com o tempo, porém, muitos daqueles desvios como que passaram a ser norma, pela frequência nas páginas de jornais e telas de TV, sem falar na internet, o universo preferido delas. A categoria tem vários graus, inclusive de crime contra a humanidade, como na Síria, onde a cada 25 minutos uma pessoa é morta e nem as crianças são poupadas dos bombardeios. Mas também se manifesta em versões mais brandas, como na política brasileira com o mundo cão de Jair Bolsonaro, que homenageia um notório torturador, e o de Eduardo Cunha, no qual tudo que é errado dá certo. Por exemplo: em dezembro de 2015 o procurador-geral da República pediu ao STF o seu afastamento da presidência da Câmara, classificando-o de “delinquente” e mostrando que ele tinha transformado a Casa em um “balcão de negócios”, pois recebera propina de US$ 5 milhões, entre outras graves denúncias. Apesar dos argumentos de Rodrigo Janot, o STF ainda não sabe como impedir que Cunha, numa eventualidade, ocupe a Presidência do país.
Mas isso já não choca mais, pelo menos não tanto quanto o que ocorreu em outra categoria de mundo cão — o caso do advogado Roberto Malvar Paz, 63 anos, casado, pai de dois filhos, aparentemente honrado, que, com a ajuda da professora de uma creche de Duque de Caxias, aliciava crianças de até 4 anos para a prática de pedofilia, desde 2007. Nem o marido nem a diretora da escola desconfiavam do que ela fazia. A polícia, com paciência, juntou provas irrefutáveis — fotos e vídeos de cenas escabrosas comandadas pelos dois — e conduziu-os à delegacia, onde negaram tudo, claro, apesar das evidências. Mas aí o repórter André Luiz Azevedo, da TV Globo, ensinou como agir nessas circunstâncias. Quando a tal professora alegou o que todos os culpados alegam, que era inocente, ele poderia ter aceito a declaração passivamente, mas não, replicou no tom de uma ingênua curiosidade: “E o vídeo e as fotos em que a senhora aparece com crianças nuas?” Embaraçada, sem ter como negar, ela acabou confessando: “Crianças não. Foi uma só”. Era mentira, mas mesmo que fosse verdade, a desculpa demonstra o seu grau de patologia. Para ela, abusar de criança uma vez não tem mal nenhum.
Enfim, a esperança é que o cenário desalentador em que se está vivendo hoje seja provisório.