A decisão do Palácio do Planalto de adiar o anúncio de uma suposta reforma ministerial para depois da votação do impeachment leva ao paroxismo a fisiologia política que domina as negociações do governo com o baixo clero no Congresso, uma chantagem explícita.
Tem o mesmo significado da nota partida ao meio que o coronel político dava antes da votação, que só seria completada depois da vitória apurada nas urnas. Ou do par de sandálias, um pé entregue de cada vez para não haver traição.
O governo está distribuindo pequenos brindes aos partidos que se dispõem a negociar – cargos de segundo e terceiro escalões -, guardando o verdadeiro butim (e não botim, como saiu aqui outro dia por erro de digitação) para depois da eleição.
Mas essa atitude deve estar também causando dúvidas nos novos potenciais parceiros, que não terão nenhuma garantia de que, passada a tempestade, os verdadeiros amigos do governo no espectro da esquerda partidária é que dominarão o ministério, sobrando as migalhas de sempre para os recém-chegados.
A reação da presidente Dilma à proposta de eleições gerais para resolver o impasse político deve ser interpretada como uma ironia, mas revela que ela estaria disposta a pensar no assunto, caso todos os parlamentares se dispusessem a renunciar também. Inclusive o vice-presidente Michel Temer.
“Nem Dilma, nem Temer”, o lema lançado pelo Rede de Marina Silva, vai ao encontro de propostas diversas que volta e meia surgem no noticiário, ora vindas do próprio entorno do Palácio do Planalto, ora de setores oposicionistas que ainda não aderiram ao impeachment.
Mas não passa de um golpe, esse sim significando uma ruptura institucional, como bem definiu o novo presidente do PMDB, senador Romero Jucá. Junte-se essa proposta esdrúxula com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello de determinar que a Câmara aceite um pedido de impeachment contra o vice Temer feito por um advogado, e teremos uma visão completa do caos institucional em que estamos mergulhados.
A decisão do ministro do Supremo não terá nenhum efeito prático, a não ser confundir as informações. A Câmara tem todo o direito, e obrigação até, de recorrer, e mesmo que seja obrigada a cumpri-la enquanto recorre, os trâmites burocráticos para a formação dessa suposta comissão darão tempo suficiente para que o plenário do Supremo derrube esse arroubo autoritário do ministro Marco Aurélio Mello, que nem mesmo a má fama do presidente da Câmara Eduardo Cunha justifica.
É uma clara interferência em outro Poder e, segundo a quase unanimidade dos juristas, não há base legal para permitir tal decisão.
A proposta de eleição geral só se justificaria se não houvesse solução institucional para a crise política, mas o impeachment é um instrumento constitucional que pode dar margem a um recomeço, mesmo que um governo Temer não seja ao gosto deste ou daquele líder, ou mesmo do cidadão comum.
Assim como a presidente Dilma não está sendo processado por ter sido uma presidente disfuncional, mas por crimes de responsabilidade já definidos claramente, também o vice Michel Temer não pode ser impedido de assumir por uma suposição de que não terá condições de governar ou, para os oposicionistas, por não ser um político confiável. Se assim for, que o PT não o escolhesse para sua chapa presidencial.
Se, em seu governo de transição até 2018, Temer for atingido por uma bala perdida vinda da Lava Jato, ou se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegar à conclusão de que houve abuso do poder econômico na eleição presidencial de 2014 e anulá-la, aí sim teremos nova eleição para presidente da República, dentro do que está previsto na Constituição.
Há quem veja na perambulação do ex-presidente Lula pelos palanques, um treinamento intensivo para a próxima campanha de 2016, um indício de que ele estaria esperando a decisão por uma eleição presidencial antecipada, e não exatamente defendendo o mandato de Dilma.
De nada adiantará essa predisposição. No entanto, se o Supremo não lhe der foro privilegiado, pois as investigações da Lava-Jato caminham para incriminá-lo como o chefe do esquema de corrupção montado pelos governos petistas nos últimos 14 anos.