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Salvando a pele

 

A provável decisão de Lula de aceitar fazer parte do ministério da presidente Dilma, depois de ter recusado duas vezes, além de explicitar o papel subalterno que ela tem em relação a seu tutor político, inaugurando o parlamentarismo à moda petista, é exemplar do descaso com que Lula trata a Justiça brasileira.

Esse menoscabo já havia ficado claro por um descuido de um vídeo da deputada Jandira Feghali, que mostra ao fundo Lula conversando com a presidente Dilma ao telefone. A certa altura ele diz que os Procuradores deveriam “enfiar no c* o processo”. Mais tarde, os petistas tentaram fazer outra leitura, dizendo que ele mandara enfiar “o acervo”, mas o sentido de aviltamento continuava intacto.

Antes, no depoimento que deu à Polícia Federal ontem divulgado na íntegra, Lula já havia se expressado de maneira infame em relação aos Procuradores, a pretexto de defender sua mulher: “Manda a mulher do procurador vir prestar depoimento, a mãe dele. Por que vai minha mulher?”.   

A sua confissão de culpa vem no mesmo momento em que a denúncia dos Procuradores paulistas é transferida para a esfera do juiz Sérgio Moro, o que escancara o objetivo de blindá-lo com o foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). A nomeação é definida pela Procuradora Silvana Batini como uma fraude processual, por que seria um desvio de finalidade do ato administrativo da presidente da República.

A nomeação será contestada na Justiça pela oposição com esse argumento e ainda por “ofensa ao princípio da moralidade”, já que Lula está sendo investigado em diversas instâncias da Justiça brasileira. Já a presidente Dilma pode vir a ser acusada de obstruir as investigações. Dificilmente, no entanto, alguma dessas medidas terá efeito prático, por que são causas e motivações muito mais subjetivas do que a do ministro da Justiça, por exemplo, que tinha uma razão formal para ser impedido de assumir o cargo.

Mas haverá embaraços políticos evidentes para o ex-presidente, que não se livrará da pecha de ter fugido do Juiz Moro. A cereja do bolo é ainda o artigo 51 da Constituição, que determina que o Presidente da República, o Vice-Presidente e Ministros de Estado só podem ser processados com a autorização de dois terços da Câmara dos Deputados.

A decisão, além de enfraquecê-lo moral e politicamente, pode levar a um problema familiar: dona Mariza e seus filhos não terão necessariamente foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. O STF vem tratando dessa questão de foro privilegiado da forma mais instável possível, comenta a Procuradora Silvana Batini.

 Antigamente, a prática era que todos os co-autores seguiam para o Supremo junto com o réu que tinha foro privilegiado. Com o tempo, isso veio sendo flexibilizado por que, à medida que houve um incremento de ações penais envolvendo autoridades, os próprios tribunais superiores começaram a ficar incomodados, e passaram a julgar separando o processo, ou atraindo a competência de acordo com a conveniência do processo, o que gera certa imprevisibilidade.

O STF, no caso do mensalão, por exemplo, julgou todo mundo junto. Mas, se os ministros seguirem a linha que vêm adotando na Operação Lava-Jato, deixarão separado. Lula joga de maneira arriscada seu prestígio político na tentativa de fugir da Justiça e, ao mesmo tempo, reconstruir o governo Dilma para se viabilizar como candidato em 2018.

Evidente que a simples decisão muda o jogo político, e freia momentaneamente o que parecia uma inabalável corrida de deputados em direção ao impeachment da presidente Dilma, mesmo por que os deputados só se inclinarão para uma decisão definitiva se se convencerem de que não há mais vida política nesse governo.

Se Lula decidir mesmo afrontar a Justiça e a opinião pública assumindo o controle do governo e tomando medidas populistas para recuperar a popularidade, pode afundar o país definitivamente para salvar sua pele. Nesse caso caminharemos para o pior dos mundos, a venezualização do país, com todas as conseqüências de radicalização política e depressão econômica.    
 

O Globo, 15/03/2016