No seu hoje já clássico estudo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", a professora Kathryn Hochstetler, hoje na Universidade de Waterloo, aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.
Temos no país uma situação exemplar desse tipo estudado pela professora americana, e é por isso que as manifestações de hoje a favor do impeachment estão sendo estimadas como as maiores que já foram realizadas nessa impressionante série que começou em 2013. A presença ou a ausência de grandes manifestações populares, exigindo sua deposição, mostra-se crucial para determinar os destinos dos governos em xeque, segundo ela.
Desde 1978, os desafios mais sérios vieram "de atores civis, no Legislativo e nas ruas, ou em ambos". A presidente Dilma se escudava no fato de que nada havia contra ela pessoalmente, e seus defensores passaram a alegar que, como ela não participara dos escândalos, não poderia ser impedida. Embora o impeachment não seja uma ação apenas contra a corrupção, mas um instrumento das democracias para retirar do poder um presidente que, como Dilma, cometer crimes de responsabilidade, a característica eminentemente técnica das pedaladas fiscais serviam de biombo para sua defesa.
Mas agora, com as delações premiadas de Delcídio do Amaral mostrando que ela, além de ter sido ajudada por esquemas corruptos de arrecadação financeira para as duas campanhas em 2010 e 2014, tentou obstruir a ação da Justiça na investigação do petrolão, cooptando um ministro do Superior Tribunal de Justiça para que soltasse os presidentes das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht, justamente as duas que mais dinheiro oriundo da corrupção colocaram em suas campanhas presidenciais, ficou exposta a atuação direta da presidente no esquema de corrupção.
Perdida a maioria parlamentar com o desembarque o PMDB programado ontem na sua Convenção Nacional, e registrada a participação direta de Dilma no esquema de corrupção, a mobilização popular provavelmente ganhará impulso hoje nas ruas do país.
Uma observação "crucial" sobre estes casos, destaca o estudo da professora Kathryn Hochstetler "é a de que deles todos resultaram novos presidentes civis num curto prazo. Em outras palavras, as quedas presidenciais são mudanças dentro do regime. Não são rupturas de regime, que pressupõem uma transição para um regime civil. De maneira uniforme, os vice-presidentes e os líderes legislativos assumiram mandatos constitucionais na qualidade de presidentes após as quedas presidenciais".
Ela mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. "De modo geral, os presidentes, cujos partidos tinham minoria no Congresso, apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem.
Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente". Ela lembra que os protestos contra Collor tiveram até um milhão de pessoas, e os índices de popularidade dele caíram abaixo dos 10% no seu último ano, exatamente o que acontece hoje com a presidente Dilma. A professora Kathryn Hochstetler diz que a importância central do protesto das massas populares nas quedas presidenciais "sugere a necessidade de maior reflexão sobre o papel do público no presidencialismo".
Para ela, as discussões sobre o presidencialismo deixaram de examinar "as formas pelas quais a população pode evidentemente retirar o mandato que concede, um fenômeno que se está tornando mais comum no cronograma da consolidação democrática". A professora Kathryn Hochstetler diz que em muitos casos "os legisladores pareciam calcular se as populações tinham maior tendência a puni-los por ação ou inação contra presidentes".
Os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido". Exatamente o que acontece hoje no país, como o PMDB e grande parte da antiga base aliada do governo aguardando o parâmetro que as ruas lhes darão.