E pensar que até outro dia reclamava-se de que o carnaval de rua no Rio tinha acabado, estava morto. Hoje há até de sobra. São cerca de 500 blocos.
Eram 4 horas da tarde de domingo passado, fazia 41 graus, com sensação térmica de 45 graus e um sol abrasador. Mesmo assim, milhares de pessoas cantavam e sambavam nas areias escaldantes de Ipanema, ao ritmo de uma potente bateria do bloco “Empolga às 9”, também conhecido como “Concentra mas não sai”. Esse era o problema. Se passasse desfilando, até eu, que não sou folião, poderia ir atrás, quem sabe, tentando acompanhar o “É hoje o dia da alegria/ E a tristeza nem pode pensar em chegar”. Os turistas estrangeiros, com certeza, nunca tinham visto em seus países um espetáculo tão espontâneo e animado. Realmente uma maravilha. Mas não andava e, quatro horas depois, meus ouvidos não aguentavam mais, pediam pelo amor de Deus um pouco de silêncio ou de outros sons, um pouco de outras músicas, de televisão, de leitura. Mas isso era impossível, porque o repertório tocado e cantado em altíssimo volume entrava sem trégua por todas as frestas de janelas e portas mesmo além da orla.
E pensar que até outro dia reclamava-se de que o carnaval de rua no Rio tinha acabado, estava morto. Hoje há até de sobra. São cerca de 500 blocos, mais de cem só na Zona Sul e 15 apenas em Ipanema. Um deles, o da Preta Gil, que desfila no Centro da cidade, reúne todos os anos cerca de 300 mil foliões. A Riotur calcula que só as 11 principais agremiações atraíram cerca de 600 mil nesse último domingo antes do carnaval propriamente dito. Justiça seja feita, as autoridades estão tentando descobrir como conciliar a alegria e a ordem urbana, o direito dos que querem brincar e dos que não querem. Fico imaginando a dificuldade do colega americano que veio cobrir a crise econômica e resolveu esticar. Ele talvez achasse que uma coisa excluía a outra, que um povo enfrentando recessão, desemprego, inflação (sem falar no Aedes aegypti) não podia demonstrar tanta disposição para a festa. Como se divertir assim numa hora dessas?
Ele não sabia que aquilo era também uma maneira de protestar. Uma foliã explicou essa aparente contradição: “Não aguentamos mais tanta sujeira. Brincamos, mas mostramos que queremos um Brasil melhor”. De fato, com irreverência e humor, por meio de sátiras, paródias, ironias e gozações, todos os problemas que apareceram recentemente nos jornais estavam nos blocos. Os escândalos viraram fantasia, os corruptos apareciam em máscaras e cartazes. Um exemplo foi a ala “Mulheres de Pedro Paulo”, com os olhos pintados de roxo e um boletim de ocorrência na cabeça, lembrando o pré-candidato à prefeitura acusado pela ex-esposa de tê-la agredido.
Em suma, o Brasil é uma espécie de feijoada: tudo junto e misturado. A política frequenta o carnaval, assim como este costuma carnavalizar a política.