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Quando o carnaval passar

 

A diferença entre os anos de chumbo e os tempos atuais é que aqueles eram mil vezes piores, mas era possível saber o que iria acontecer mais cedo ou mais tarde

Quem sabe saindo de cena por uns tempos eu não ajude a resolver a crise política? Se ninguém se considera responsável por ela — nem Dilma, nem Temer, nem Renan, muito menos Cunha —, vai ver o culpado sou eu. Por isso, vou tirar umas duas semanas de folga, para mim e sobretudo para vocês. O meu recesso, junto com o do Congresso, será a partir do próximo dia 23. O risco é, na volta dos parlamentares, em fevereiro, continuar tudo na mesma ou pior: todos batendo boca e Eduardo Cunha abusando da paciência nossa. Falando sério, cansei de tentar entender o Brasil, que sempre foi considerado o reino do surrealismo. Há quem diga até que não tivemos uma escola literária surrealista ou um realismo mágico como a Colômbia de García Márquez porque a nossa realidade já é por si surreal. Só que agora ele é mais do que isso, é absurdo, é o país do nonsense. Está mais para Samuel Beckett e Kafka do que para André Breton.

Pergunta-se muito se esta é a nossa pior crise contemporânea. Não sei, mas talvez seja a mais completa e abrangente, porque atinge ao mesmo tempo a política (desmoralizada), a economia (rebaixada), o meio ambiente (enlameado) e a ética (ultrajada pela inversão total de valores). Com o país rachado, o ódio vicejando, com uma presidente impopular tentando se livrar do impeachment, com o vice conspirando e também sob suspeita de pedaladas, com o presidente da Câmara lutando para não ir para a cadeia (o procurador-geral deu 11 razões para que ele seja afastado), com o seu colega do Senado sendo investigado, com o ministro da Fazenda já fora do governo, a população desencantada — a sensação para nós, pobres mortais diante do deprimente espetáculo, é de total confusão. Para quem gosta de comparar, a diferença entre os anos de chumbo e os tempos atuais é que aqueles eram mil vezes piores, mas era possível saber o que iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Não havia dúvida de que um dia a ditadura ia acabar. Agora é impossível prever o que acontecerá quando o carnaval passar, a euforia acabar e Câmara e o Senado caírem de novo na real, ou na fantasia. Pelo jeito, quem vai decidir o futuro da política no Brasil é a Lava-Jato. Ninguém está livre dela, não há personagens acima de qualquer suspeita. Fazendo gracinha de mau gosto, periga sobrar apenas o “Japa bonzinho” para trancar as celas.

Portanto, até o ano que vem, com desculpas pelo mau humor. Espero que o de vocês esteja melhor. Xô, pessimismo. A culpa é de 2015, o ano que não devia ter começado.

O Globo, 19/12/2015