O cientista político francês Maurice Duverger, grande teórico do tema, definiu o semipresidencialismo como o regime que reúne um presidente da República eleito por sufrágio universal e dotado de notáveis poderes, e um primeiro-ministro e um gabinete responsáveis perante o parlamento. Esse aspecto do semipresidencialismo, o do aumento da responsabilidade do Legislativo no governo, parece fundamental aos estudiosos do assunto.
E faz com que o constitucionalista Marcelo Cerqueira lembre que o sistema francês foi adotado por Charles De Gaulle, que venceu um plebiscito contra o parlamentarismo até então vigente, como um contragolpe a uma tentativa de golpe de Estado. Para Cerqueira, não há motivos para adotarmos o modelo agora, mesmo na crise em que vivemos.
Para o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas no Rio, o semipresidencialismo “fortaleceria os incentivos à coordenação política ao reduzir drasticamente as atribuições privativas do presidente, máxime no que se refere aos seus poderes legislativos”.
Para o ministro do Supremo Luis Roberto Barroso, “incrementa-se a responsabilidade política do Parlamento, que já não poderá se ocupar apenas da crítica, mas deverá participar também da construção do Governo”. Na visão de Barroso, o Presidente da República “seria o garantidor da continuidade e da estabilidade institucional” e teria um papel próximo ao do Poder Moderador, devendo agir como estadista e fiador das instituições.
Para Amorim Neto, uma proposta semipresidencialista deve reservar um papel fundamental ao presidente: símbolo supremo da unidade nacional, árbitro do governo, condutor da política externa e comandante em chefe das Forças Armadas. “Ao alçá-lo acima do jogo político, protegeria uma instância do Poder Executivo do descrédito que a opinião pública devota à classe política. Seu mandato fixo criaria uma referência de estabilidade em contraponto à ebulição inerente à administração do governo e às disputas no Congresso. A arbitragem presidencial se ampararia nas suas atribuições privativas de indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro e de dissolver a Câmara dos Deputados e de convocar novas eleições”.
No arranjo institucional que o ministro Luis Roberto Barroso propõe, o presidente, também eleito por voto direto, conservaria uma série de poderes políticos importantes, embora limitados, incluindo: a indicação do Primeiro-Ministro, que dependeria de aprovação do Legislativo; a indicação de ministros dos tribunais superiores, dos comandantes das Forças Armadas e dos embaixadores; a condução das relações diplomáticas; a iniciativa de projetos de leis, em meio a outras competências.
O primeiro-ministro, por sua vez, seria o chefe de governo e da administração pública, atuando no varejo das disputas políticas e nos embates do avanço social. Na visão de Octavio Amorim Neto, a superioridade do governo semipresidencial sobre o presidencialismo puro está em que “aquele dissocia competência constitucional de influência política, enquanto este procura, por força de dispositivos legais, transformar ambas em uma identidade”.
Ele diz que nossa história mostra que “essa identidade tem se mostrado falsa em várias ocasiões, como agora sob Dilma”. Como o semipresidencialismo dissocia competência constitucional de influência política? Em primeiro lugar, ele lembra que o semipresidencialismo não impede que o chefe de Estado faça sentir o peso de sua investidura democrática nas decisões do governo, se ele for o principal líder do maior partido na Câmara ou se tiver ascendência política sobre a coalizão majoritária.
Octavio Amorim Neto adverte que o governo semipresidencial não “cassa” o mandato do presidente, senão que cria um filtro partidário para sua influência sobre o governo, sob a condição de estar sintonizado com o maior partido e com os partidos que compõem a maioria parlamentar.
“Quando o perfil do presidente não se ajusta a essa condição, ele é “punido” institucionalmente com um papel mínimo nas decisões governamentais e com sua influência circunscrita às competências constitucionais de chefe de Estado e de árbitro do governo”.
Ao presidente, além de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, só deveria ser dado o poder de veto total, a prerrogativa de solicitar ao Poder Legislativo nova deliberação acerca de projetos de lei ou de algumas de suas disposições, e a prerrogativa de requisitar ao Supremo Tribunal Federal a verificação da constitucionalidade das leis, como acontece em Portugal.
Ao reduzir as prerrogativas presidenciais, analisa Octavio Amorim Neto, “reduzir-se-ia também a tendência a exorbitá-las, como é o caso, hoje, das medidas provisórias”.
Mas como montar um Legislativo que possa assumir esse papel, em contraponto ao Congresso que temos, de Renans e Cunhas? As mudanças no sistema político-partidário serão analisadas em outras colunas.