É deprimente ver altos representantes do Executivo e do Legislativo chegarem a esse nível de ofensas mútuas. Poucas vezes a palavra ‘mentira’ foi tão usada.
Estou entre os 67% que consideram o governo Dilma ruim ou péssimo, mas não estou entre os 63% que aprovam o seu impeachment. Muito menos me encontro no meio daqueles que acham que “somos milhões de Cunha”. Deus me livre. Será que ter de decidir entre os dois é o que nos reservam esses tempos de lama? Pelo menos é o dilema que se coloca nessa troca de acusações para saber quem de fato está mentindo — se ela, quando disse que seu governo “nunca fez e não autorizou barganha” para se livrar do impeachment, ou se ele, quando afirmou que “a barganha veio, sim, veio proposta pelo governo e eu recusei”. Ou se o ministro Jaques Wagner, que revidou devolvendo a agressão: “Quem mentiu foi o Cunha”. E se todos estiverem dizendo a verdade sobre quem mentiu? Afinal, o país, como eu, está careca de saber que tanto Dilma quanto Cunha já cometeram ostensivamente esse pecado — ela, na campanha eleitoral, e ele, ao negar sempre, inclusive na CPI da Petrobras, que tinha contas na Suíça. É deprimente ver altos representantes do Executivo e do Legislativo chegarem a esse nível de ofensas mútuas. Poucas vezes a palavra “mentira” foi tão usada num debate como esse.
Durante meses, governo e oposição ficaram reféns de Eduardo Cunha, por medo ou por interesse, oscilando entre a troca de favores e a troca de desconfianças. De um lado, estava quem fazia o que podia para evitar o impeachment; do outro, quem o queria a todo custo. E, nessa “regra do jogo”, ninguém, ou quase ninguém, foi inocente. A presidente, porém, pode ter sido ingênua. Diante das tentativas de chantagem praticadas por Cunha, ela não respeitou as recomendações básicas que a polícia faz às vítimas dessa pressão criminosa: não negociar, não ceder e não demonstrar fraqueza. Está claro que o governo cedeu e foi fraco ao tentar barganhar. O resultado é que foi chantageado e, depois, retaliado por quem tinha condição técnica, mas não moral de fazê-lo.
Hoje, segundo levantamento do GLOBO, o impeachment não seria aprovado. A presidente teria 86 votos a mais para se manter no poder. Enquanto isso, se como quer a oposição, o processo for postergado, resta saber o que acontecerá com a política e a economia. É importante que o país saia da paralisia. Tudo bem. Mas, e se passar da paralisia para o excesso de movimento, ou seja, a turbulência, o conflito nas ruas? Desprestigiada e impopular, Dilma ainda corre o risco de fazer de seu desafeto o herói dessa farsa. Aí, teremos que cantar com Tom Jobim: “É o fundo do poço, é a lama, é a lama”.
Tomara que não. Como se sabe, a esperteza, quando é demais, engole o esperto, que no caso já pode estar com os dias contados.