Diante da possibilidade de a presidente Dilma vir a indicar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no seu segundo mandato, além da vaga aberta pela saída prematura do ministro Joaquim Barbosa, fica explicitada a importância do Senado na sabatina dos indicados, e ganha peso político relevante a decisão de aposentadoria antecipada quando o ministro está em dissintonia com o governo do momento.
O professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio, Diego Werneck, especialista em STF e na Suprema Corte dos Estados Unidos, ressalta que em lugar nenhum do mundo existe concurso público para a Corte Suprema, pois esse “é um exercício de soberania política, e por isso mesmo tem que ser controlado pela cidadania”.
Ele destaca que graças à mobilização de organizações da sociedade civil nos últimos anos, há um procedimento novo adotado pelo Senado em 2013 que exige um período mínimo entre a indicação e a sabatina, podendo o relator receber sugestões de perguntas da sociedade civil. A primeira vez que esse procedimento vai ser aplicado será na sabatina do substituto do Joaquim Barbosa.
“Esse risco tem que ser gerenciado pelo Senado. A pior maneira de aprovar é sem debate, como geralmente acontece. Ou vetar sem debate”. O professor da FGV considera que o tipo de crítica levantada pelo ministro do STF Gilmar Mendes de que não podemos correr o risco de termos uma Corte bolivariana “pressupõe uma visão muito simplista do que é a decisão judicial, quando muitas coisas estão em jogo. Você não pode confundir o que é a visão da pessoa, muitas vezes expressa anteriormente, com alinhamento automático”.
Para ele, o perigo é confundir a questão estrutural com a conjuntural e, com a PEC da Bengala, que amplia para 75 anos a idade limite para a aposentadoria compulsória, que hoje é de 70 anos, criar novos problemas estruturais. “É possível que ministros fiquem no STF por muito mais de 30 anos, subindo para 75 anos a aposentadoria. O que agravaria um problema estrutural do sistema brasileiro, que deveria preocupar”.
O sistema em vigor permite que presidentes indiquem pessoas muito jovens, privando futuros presidentes da oportunidade de indicar. “Isso tem que ser controlado pelo Senado, que precisa pensar na idade do indicado como uma variável importante”. Além, é evidente, da capacitação jurídica do indicado.
Nos tribunais europeus, de maneira geral, essa questão é resolvida com mandatos, lembra Werneck, que podem ser de 8 a 14 anos. E os mandatos são dispostos de tal forma que as vagas abrem em períodos regulares. Nos EUA, onde o mandato é vitalício, este é um debate que existe na Academia, sobre se não deveria ser criada uma aposentadoria compulsória, ou algum tipo de mandato mais restrito, lembra Diego Werneck.
Do ponto de vista da conjuntura atual, é preciso considerar, diz o professor a FGV do Rio, que parte dessas vagas que vão se abrir para a presidente Dilma já são vagas que foram preenchidas pelo PT. “Não é uma reviravolta completa na tendência, o que muda são duas vagas a mais indicadas pelo PT”.
Mas não é uma aberração que ela tenha essas vagas, diz ele, lembrando que em dois anos Fernando Collor pôde fazer 4 indicações, e em cinco anos de mandato, José Sarney fez 5 indicações. Nos Estados Unidos, o que acontece é que os ministros, quando vão chegando a idade muito avançada, esperam a entrada no governo de um Presidente do seu grupo político para poderem se aposentar. Em seus 12 anos no poder (mesmo número que Dilma + Lula), Roosevelt indicou 8 dos 9 Ministros da Suprema Corte.
O risco de haver uma proximidade excessiva de visões de mundo entre quem ganhou na política e a maioria no Tribunal é inerente ao sistema de escolha política dos ministros, destaca Diego Werneck, para concluir: “Já convivemos com o STF que em sua maioria foi indicada pelo PT, e não vejo o risco de termos um tribunal bolivariano”.
Esse receio, no entanto, tem sua razão de ser justamente pela conjuntura política da América Latina, onde diversos governos utilizaram-se dos mesmos métodos para controlar os poderes que, numa democracia, devem ser independentes.
O hiperpresidencialismo que vigora em países latinoamericanos tem em comum uma Corte Suprema submissa ao governo central e o controle dos meios de comunicação. Quando se vê a saudação do presidente venezuelano Maduro pela vitória da presidente Dilma, prevendo o aprofundamento da revolução no continente, há motivos reais para preocupação.