Marina Silva está acreditando que já é um fenômeno eleitoral e dispensa apoios de indesejáveis. Segue assim o caminho que Eduardo Campos decidira trilhar, só que ele escolheu a dedo os seus indesejáveis: Renan Calheiros, José Sarney, Fernando Collor. Marina adicionou à lista o PSDB e o PT, firmando assim uma imagem de terceira via pela confrontação, e não pela negociação.
Se abre mão antecipadamente do PMDB - que Campos queria colocar na oposição a seu governo - mas também PT e PSDB, com quem Marina irá governar? A decisão de Marina Silva de recusar o apoio do PSDB de São Paulo mesmo com a aliança feita pelo PSB sob comando de Eduardo Campos, mostra bem o rumo que sua candidatura tomará.
Se anteriormente não faria muita diferença que ela não aparecesse em comícios ou reuniões da coligação pois Campos apareceria, agora sua ausência é uma afronta política a um governador que deve se eleger no primeiro turno no maior colégio eleitoral do país. E a recusa a apoiar Lindbergh Farias do PT no Rio fecha a porta também ao partido que está no governo, marcando uma posição firme de alternativa "a tudo o que está aí".
Só mesmo sendo um fenômeno eleitoral para afrontar tantos interesses políticos já arraigados e abrir mão antecipadamente de apoios no segundo turno, que, se alcançado, requererá um apoio político para vencer a presidente Dilma. Isso na teoria, no raciocínio da "velha política", que Marina e seus eleitores indignados rejeitam.
Mas serão eles maioria no eleitorado para dar essa independência toda? E, mesmo que se concretize sua vitória, com quem governará Marina? Temos exemplos recentes que ilustram bem essa necessidade de alianças para um governo de coalizão. Em 1989, fazendo uma campanha puramente midiática e apoiado por um clamor popular, o candidato Fernando Collor foi arrastando atrás de si apoios de tudo quanto é grupo político, mesmo aqueles que não gostavam, dele mas queriam estar próximos do poder.
Collor, com a força de sua popularidade, levou de roldão os problemas de campanha, fez acordos por baixo dos panos até mesmo com os usineiros que fingia combater em público, e chegou ao Palácio do Planalto com rara independência de grupos políticos. Não conseguiu governar da mesma maneira que fizera a campanha, e acabou impichado com a ajuda de um clamor popular mais forte do que o que o levara ao poder.
Sem apoio político e com acusações de corrupção em vários setores do governo, não teve condições de continuar no governo. Anos depois, Fernando Henrique Cardoso, o então ministro da Fazenda de Itamar Franco - que assumira a presidência da República por ser vice de Collor - surpreendeu a todos ao anunciar uma aliança política com o PFL, partido de centro-direita que tinha grande representação no Congresso.
Mesmo com a força do Plano Real, que o elegeria sem a necessidade de acordos, Fernando Henrique sabia que não poderia governar se não tivesse uma base política sólida. Ainda mais para fazer as reformas estruturais que pretendia. Marina está escolhendo o caminho mais áspero, que pode até mesmo levá-la a uma derrota ainda na eleição que ela começa a disputar a partir de hoje, referendada como a candidata do PSB.
Na verdade, é a candidata da Rede que está assumindo o posto e dando as cartas na coligação que passa a existir de fato mesmo sem o registro oficial do partido de Marina. Ao não abrir mão de continuar criando seu partido mesmo se for eleita como candidata do PSB, Marina já deixou claro que seu projeto não mudou, e que o PSB continua sendo apenas um pouso provisório.
Mudou toda a construção da candidatura, e todo esse tempo ao lado de Eduardo Campos não serviu para que PSB e Rede firmassem acordos mínimos de convivência. O vice Beto Albuquerque vai ter o papel de algodão entre cristais, e já será um vitorioso se conseguir evitar muitas perdas ao longo da campanha. Essas idiossincrasias de Marina serão toleradas enquanto sua expectativa de poder persistir.
Se o "fenômeno" Marina se confirmar, teremos no Palácio do Planalto uma presidente voluntarista acostumada a impor sua vontade. Se as dificuldades de crescimento de sua candidatura aparecerem pelo meio do caminho, dificilmente a parceria Rede-PSB resistirá às crises políticas que virão.
Rede na cabeça
O Globo, 21/08/2014