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Cúria quase perde Cristo

 

Chega de Brasília uma informação que pode ser considerada bizarra, mas que também pode ter implicações mais graves. No impasse acerca do filme de José Padilha sobre o Rio, que a Cúria Metropolitana vetou inicialmente por considerar que a figura do Cristo Redentor havia sido desrespeitada, mas depois liberou, a ministra da Cultura Marta Suplicy fez chegar ao Cardeal D. Orani Tempesta uma ameaça de, através de um decreto presidencial que já estaria pronto, retirar da Igreja Católica a tutela sobre a imagem que está implantada no Parque Nacional da Tijuca, sob o controle da União.

O monumento foi erigido em área cedida pela União à Arquidiocese do Rio na década de 1930, mas o acesso à estátua é realizado pelo Parque Nacional da Tijuca, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Recentemente, a imagem do Cristo Redentor foi eleita, em votação pela internet no mundo todo, uma das modernas Sete Maravilhas do Mundo. O Prefeito do Rio, Eduardo Paes, que também atuou para liberar o filme, disse que chegou a conversar com D. Orani tentando mostrar que a imagem do Cristo Redentor é um ícone da cidade do Rio, e que como tal também deveria ser tratada, e não apenas como um santuário religioso. Mas garante que em nenhum momento soube de qualquer tentativa de retirar da Igreja Católica os direitos sobre a imagem.

Os direitos de uso comercial do Cristo no Corcovado pertencem desde 1980 à Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, e em outubro de 2006, para comemorar seus 75 anos, a estátua foi transformada num santuário católico. Há também, na base do monumento, uma capela católica devotada a Nossa Senhora Aparecida.

A Arquidiocese do Rio de Janeiro não autorizou o uso da imagem do Cristo no filme “Inútil paisagem”, dirigido por José Padilha, por considerá-lo inicialmente desrespeitoso. Ele é um dos dez curtas que compõem o longa-metragem “Rio, eu te amo”, da franquia “Cities of love”.

Em uma sequência do curta, o personagem interpretado por Wagner Moura, durante um vôo de asa-delta, conversa com a estátua do Cristo reclamando da vida, dos seus dissabores e da violência da cidade que ele deveria proteger.

O filme foi enviado para a apreciação da Arquidiocese em março, tendo sido vetado. Segundo a assessoria de imprensa da Arquidiocese do Rio na ocasião, “há cenas no filme em questão que foram consideradas ofensivas à imagem do Cristo e, consequentemente, à casa dos católicos. É uma prática absolutamente normal da Arquidiocese a não autorização de qualquer produto audiovisual que avance nesse caminho”.

Dias depois, diante da reação negativa à decisão, considerada uma censura artística, o Vicariato para a Comunicação Social e a Assessoria de Imprensa da Arquidiocese anunciaram em nota a reversão da medida, pois haviam chegado à conclusão de que o episódio não visou interesse religioso no trato à imagem do Cristo Redentor, “e portanto não houve desrespeito ao Cristo ou à religião católica”.

O excesso de zelo dos encarregados pela imagem do Cristo, sem levar em conta o lado icônico não religioso da estátua que representa a Cidade do Rio de Janeiro no mundo, pode levar a uma excessiva intervenção governamental que seria muito bem recebida em setores da sociedade contrários a esse controle da Igreja Católica sobre o monumento.

O Globo, 01/08/2014