O projeto de lei aprovado pelo Congresso que desobriga o governo federal de complementar a meta não atingida pelos Estados e municípios na formação do superávit primário - a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida - é mais um desses truques para justificar a redução do superávit primário.
Na verdade, não existe uma meta nacional para estados e municípios. Só na época em que o Brasil definia com o FMI as metas é que Estados e Municípios tinham objetivos oficiais. Hoje a meta é da União, e o governo coloca uma meta para Estados e Municípios que é informal. Não acontece nada se os entes federativos não cumprirem suas metas. Por isso, também, não existe a obrigação de a União cobrir as metas de Estados e Municípios, o que existe é obrigação de União atingir a sua meta.
Em 2013, a meta de economia prevista é de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), o que corresponde a R$ 110,9 bilhões. Desse total, R$ 38 bilhões corresponderia ao superávit de Estados e municípios, número que não será alcançado. Como o governo central - composto pelo Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central – também não está cumprindo a sua meta, que é de R$ 73 bilhões, o superávit primário este ano será bastante abaixo do previsto.
Os Estados e Municípios, em vários anos, ajudaram a União na composição do superávit, mas há três anos não conseguem cumprir as metas informais estipuladas. A reclamação generalizada dos prefeitos sobre a situação financeira de seus municípios tem tudo a ver com as mudanças que o governo pretendia fazer na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Além da razão básica de que a arrecadação de tributos está caindo devido ao fraco desempenho da economia, há uma razão específica para a situação dos estados e municípios estar pior: os benefícios tributários que o Planalto ofereceu para setores econômicos atingem principalmente tributos que têm forte influência nas economias regionais, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A cada isenção oferecida pelo governo, os fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) perdem, pois eles são formados basicamente pelo IPI e pelo Imposto de Renda. Com o fraco desempenho da economia, está caindo a arrecadação do IR de grandes empresas, como a Petrobras e a Vale, o que afeta os fundos regionais. No entanto, não há nenhum credor de Estados e Municípios que não tenha recebido seu pagamento. O maior credor de Estados e Municípios é a União, que detém 95% das dívidas. Se algum Estado ou Prefeitura não pagar o que deve à União, ela entra na conta bancária do ente devedor e bloqueia o dinheiro. Não há possibilidade, portanto, de não pagamento.
Outra razão para o superávit dos Estados e Municípios estar caindo é que o governo federal liberou empréstimos para os Estados. Com a mudança dos critérios para pagamento das dívidas estaduais, medida que acabou sendo adiada pelo governo, os empréstimos que estão sendo liberados ficariam dentro dos novos limites de endividamento.
Hoje os Estados e Municípios não estão inadimplentes, mas dentro de três ou quatro anos podem ficar, pois os empréstimos estão sendo liberados com carência pelo BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal. Voltamos àquela situação anterior à Lei de Responsabilidade Fiscal em que o dirigente tomava um empréstimo para ser pago pelo sucessor.
Todo mundo sabe que o governo liberou empréstimos de maneira irresponsável para os Estados, com carências elevadas. A maioria dos senadores já percebeu isso, por que é de candidatos aos governos estaduais: Lindbergh Farias (PT Rio), Pedro Taques (PSOL RO), Ana Amélia (PP-RGS), Delcidio Amaral (PT-MTS).
Na verdade o governo federal está dando empréstimo para cobrir gastos correntes. No ano passado, fizeram a contabilidade criativa para fechar as contas da União, e alegaram que os Estados e Municípios não cumpriram a meta. Para justificar a contabilidade criativa, resolveram culpar os Estados e Municípios, e formalizaram a dispensa na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
O Globo, 26/11/2013