Duas questões andam juntas no caso dos deputados condenados pelo mensalão: a aprovação da mudança constitucional que termina com o voto secreto e a análise de cada caso pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. As duas instâncias decisórias têm divergências a serem superadas até uma decisão final.
O presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, no ofício que enviou à Câmara, faz referência expressa à perda dos direitos políticos do condenado José Genoino, o que levaria automaticamente à cassação do seu mandato de acordo com o parágrafo IV do artigo 55 da Constituição.
Já para o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, o que vale é artigo VI do mesmo artigo 55 da Constituição, que determina que perderá o mandato o deputado ou senador “que sofrer condenação criminal em sentença transitada”. Nesse caso, a cassação, em vez de ser automática, depende de votação secreta do plenário, que acabou livrando o deputado Natan Donadon da perda do mandato.
Alves, que naquela ocasião ficou chocado com o resultado da votação secreta que desmoralizou o plenário, decidiu convocar imediatamente o suplente de Donadon por considerar que um preso não tem condições de exercer o mandato. No caso de Genoino, isso já foi feito, pois o condenado do mensalão está de licença médica na Câmara até janeiro.
Mas o presidente Henrique Alves não pretende correr o risco de ver outro deputado condenado sendo liberado por corporativismo, e decidiu que somente colocará em votação o caso de Genoino e de outros parlamentares que se encontram condenados depois que for aprovada a emenda constitucional que acaba com o voto secreto para a cassação de mandatos. E esta é outra confusão.
A Câmara, num surto de populismo para dar uma resposta à indignação das ruas, seis dias depois de ter preservado o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon em votação secreta, aprovou, em segundo turno, por unanimidade, com 452 votos favoráveis, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 349, que acaba com o voto secreto em todas as votações.
O que na aparência seria um compromisso de moralidade legislativa, na prática pode significar um retrocesso na atividade parlamentar, expondo deputados e senadores a todo tipo de pressão. Já existia no Senado a PEC 196, que prevê o voto aberto apenas na cassação de mandato de parlamentares.
O voto secreto existe em outros casos em que não há deliberação legislativa, como a votação que confirma a indicação de autoridades: agências reguladoras, nomeações para os tribunais superiores, embaixadores, Procurador-Geral da República, que é o titular da ação penal contra os parlamentares.
O Senado pretende destacar da emenda da Câmara apenas a parte que acaba com o voto secreto para cassação de mandato, rejeitando os demais casos. A PEC voltará nesse caso para a Câmara, mas a parte aprovada poderá ser já utilizada para a cassação do mandato dos condenados do mensalão.
Mas há ainda uma decisão sobre embargos infringentes no caso do mensalão que o plenário do STF terá que enfrentar, analisando novamente a questão da cassação dos mandatos. Com sua nova composição, o plenário, no caso do senador Ivo Cassol, decidiu que a cassação de mandato deveria ser do plenário da Câmara, e não automática, como na deliberação anterior.
Falta ainda tomar essa decisão com relação ao caso dos mensaleiros, que tem uma diferença: eles foram condenados a perder seus direitos políticos. É possível, porém, que nesse caso a decisão do plenário seja mais uma vez diferente, por que um dos votos que mudou a jurisprudência anterior, o do ministro Luis Roberto Barroso, ganhou um adendo posterior em liminar de sua autoria: todo condenado em regime fechado que tenha que permanecer detido por prazo superior ao que lhe resta de mandato não pode exercer cargo político.
Os cinco ministros que votaram pela cassação automática vêem a mesma impossibilidade para os condenados em regime semi-aberto, pois seriam parlamentares que teriam que dormir na cadeia depois de trabalhar durante o dia como congressistas, uma situação esdrúxula.
Por enquanto, não há deputados condenados a regime fechado: João Paulo Cunha ainda terá embargos infringentes a serem julgados, e outros dois deputados estão condenados a regime semi-aberto: Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Portanto, ainda teremos muita confusão entre Legislativo e Judiciário pela frente.
O Globo, 21/11/2013