Não é apenas a PEC 37, a emenda constitucional que impede o Ministério Público de fazer investigações criminais, que ameaça o combate à corrupção. Há também um projeto do senador Ivo Cassol, do PP de Rondônia que quer alterar a Lei da Improbidade Administrativa (8.429/92), que está em vigor há 21 anos e é um dos principais instrumentos para a punição de políticos e administradores públicos.
Entre os pontos criticados da nova lei estão a exclusão da responsabilidade do agente público negligente e imprudente que causa lesão ao patrimônio público e a proibição de indisponibilidade os bens de família do servidor acusado.
O mais sintomático desse embate que se desenrola nos bastidores do Congresso é que tanto o autor da proposta de alteração da Lei da Improbidade Administrativa quanto um dos deputados designados pela Câmara para discutir a PEC que limita a ação do Ministério Público são eles próprios objetos de processos originados de ações do Ministério Público.
O senador Cassol responde a cinco ações judiciais, uma delas provocou a sua condenação por cinco anos por corrupção eleitoral, da qual ele recorreu. O deputado Bernardo Santana, do PR de Minas, é réu numa ação penal que corre no STF por crimes ambientais, receptação, uso de documento falso e formação de quadrilha. Na tentativa de reverter o processo, ele alegou que as apurações realizadas pelo Ministério Público de Minas Gerais deveriam ser anuladas. Ele está na comissão da Câmara apesar de ser um defensor declarado da tese de que apenas as polícias federal e civil podem fazer investigações.
Contra a PEC 37, promotores e procuradores brandem o artigo 37 da Constituição, que fala em moralidade, honestidade e impessoalidade no exercício da função pública. O jurista e professor Fábio Medina Osório, autor do livro Teoria da Improbidade Administrativa, classifica a lei de “republicana”, mas admite que existe, na classe política, “certa perplexidade quanto ao alcance e o uso indiscriminado da Lei de Improbidade Administrativa”.
Não se tem, todavia, segundo Medina Osório, uma discussão qualificada, hoje, no Brasil, sobre abuso de poder acusatório nesta matéria, nem sobre a eficiência real das instituições fiscalizadoras no manejo desta importante Lei. E é nesse contexto que surgem iniciativas como a do Senador Ivo Cassol, que propôs a PEC 105/2013, aparentemente encampando algumas teses que Medina Osório sustenta há bastante tempo e que tem encontrado ressonância na jurisprudência dos Tribunais Superiores, como aquela que diz respeito à necessidade da culpa grave para configurar improbidade e a diferenciação entre ilegalidade e improbidade, ou ainda quanto à importância da legalidade e da tipicidade nas proibições emanadas da Lei.
Para o Ministério Público, todas essas diferenciações surgem para beneficiar os corruptos. Fábio Medina Osório entende, não obstante, que o Direito atual é, sobretudo, um direito jurisprudencialista, e que a jurisprudência brasileira já consagra muitas das preocupações partilhadas na referida PEC, a tal ponto que sua consagração legislativa poderia ocasionar ainda maior insegurança jurídica e confusão no meio jurídico, perturbando a boa jurisprudência que se tem formado nesta matéria. Medina Osório propõe um debate mais profundo sobre os parâmetros que devem ser seguidos pelos operadores jurídicos, especialmente o Ministério Público, à luz dos princípios da unidade e independência funcionais, pois alega que "um processo, por si só, hoje, ostenta inegáveis efeitos punitivos, atingindo a honra, a imagem e o patrimônio das pessoas".
O projeto do Senador Ivo Cassol também contempla perspectiva de responsabilização de membros do Ministério Público por uso abusivo da ação, o que, novamente para Medina Osório, é tautológico e pode introduzir reflexões paradoxais: "Antes da PEC por acaso não haveria essa responsabilidade? É claro que hoje já existe, de modo que descabe pretender regulamentar o que já está consagrado e não poderia sequer ser objeto de controvérsias".
Outro ponto polêmico do projeto é o fim da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, o que ficaria, a prevalecer o entendimento do Senador, banido e substituído por um prazo de 10 anos. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que esse tipo de ação é imprescritível, situação que, segundo Medina Osório, “produz realmente grande instabilidade e injustiças, pois até mesmo os homicídios são atingidos por prazos prescricionais".
O Globo, 5/5/2013