O Instituto Fernando Henrique Cardoso colocou no You Tube (http://bit.ly/YweALT) um debate fechado realizado em setembro do ano passado sobre o livro do economista José Roberto Affonso “Keynes, Crise e Política Fiscal”, com a participação do ex-presidente e do ex-ministro Delfim Netto, além de vários economistas de diferentes correntes: Roberto Macedo, professor da USP e da FAAP, próximo dos tucanos; Julio Gomes de Almeida, professor da UNICAMP, primeiro secretário de política econômica de Guido Mantega, e orientador da tese de doutorado de Affonso que originou o livro; José Carlos Braga, também da UNICAMP, irmão do senador Eduardo Braga, identificado com o PT e Samuel Pessoa, é pesquisador da FGV, que foi assessor do ex-senador Tasso Jereissatti, também presente ao encontro.
Foi uma aula de política e governo, perpassada de momentos de muito humor, quando FHC e Delfim, com histórias a maior parte das vezes antagônicas na política brasileira, demonstraram um respeito mútuo digno de nota. Os dois gostaram tanto que autorizaram recuperar gravações e montaram um vídeo, que ficou pronto só há pouco.
O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso abriu o debate ressaltando que estavam ali para debater ideias e não posições político-partidárias, muito menos governos. O evento foi no final de setembro e o tema do livro em debate é focado na política fiscal. Meses depois, o governo se utilizou de vários artifícios nas contas públicas ao final do ano, e a crítica mais ferina, um verdadeiro tiro de misericórdia, foi dado pelo próprio Delfim, um defensor do governo Dilma Rousseff.
Mas a visão crítica de Delfim sobre certo intervencionismo do governo Dilma já estava presente naquele debate, quando ele disse, a respeito dos investimentos, que o empresariado desconfiava do governo “com alguma razão” e o governo desconfiava dos empresários “com muita razão”. Mas Delfim mostrava-se confiante em que o governo já estava entendendo que não pode fixar ao mesmo tempo dois parâmetros: a qualidade do serviço e a taxa de retorno. “Se o governo define a qualidade do serviço, é o mercado que define a taxa de retorno”.
Delfim disse que torcia para que a Presidente possa colocar sua racionalidade a serviço do país. Virando-se para Fernando Henrique, disse: “Ela é uma tecnocrata que nem nós”, ao que o ex-presidente reagiu: “Eu não”. Delfim continuou: “Você é um grande político, mas tem uma racionalidade que é inegável”.
Delfim já abriu o debate destacando que Keynes tinha leitura e propostas diferentes porque os tempos eram diferentes (ora na crise, ora na expansão). “Quando o mundo muda, eu mudo”, definiu Delfim, explicando que cada contexto (econômico, social, histórico) levou Keynes a adotar uma postura diferenciada, ao contrário da imensa maioria dos economistas que pensam em um modelo rígido, mas nem sempre compatível com a realidade.
Esse ponto é destacado no trabalho de José Roberto Affonso, que salienta que na Teoria Geral de Keynes não tem praticamente política fiscal, somente seis ou sete vezes o tema é citado. A intenção, explica Affonso, não é trazer o Keynes aos dias de hoje, mas voltar às circunstâncias em que ele viveu, situações de guerra econômica e de paz.
No período da Grande Depressão é quando ele escreve a Teoria Geral, mas já vinha sinalizando em textos anteriores a necessidade de o Estado fazer mais obras. “Aliás, em várias passagens ele parece até um engenheiro, só fala em obras, não fala em investimentos”, ressalta o economista. Chega a dizer que é preciso haver obras públicas, e que se for preciso constroem-se até pirâmides. “Quando você não sabe o que é o futuro e as empresas param de investir e até mesmo de produzir, o Estado tem que entrar gastando para tentar segurar a demanda”.
Para Keynes, o Estado tem que gastar e se endividar, não adianta aumentar seu investimento se financiando com tributos, e em várias passagens se coloca contra o corte de impostos. O economista José Roberto Affonso lembra que Fernando Henrique em um artigo naquela época cita Keynes sobre “situações normais de crise”, as flutuações normais da economia, e nesses casos a política econômica é muito diferente: o avanço de gastos tem que ser feito via investimentos, e não pelo consumo.
O Globo, 16/2/2013