Rimbaud, o poeta de Uma temporada no inferno, escreveu, com a angústia de viver o tempo futuro, a sentença de que "devemos ser absolutamente modernos" . A roda do mundo nos faz o passado parecer sempre melhor, vendo o presente como um vencer dificuldades e com a certeza de que a vida é feita com o dia-a-dia. O futuro nos seduz a pensar num terreno azul de soluções e esperanças. O passado é o já vivemos, já vencemos a graça da vida. A sensação do presente é o mar das sobrevivências, das ciladas do cotidiano, em que ainda há muito o que fazer para o próximo, para a humanidade e para acabar com todas as injustiças. É uma inconformação com o sofrimento, com o medo e com o próprio presente. Já o futuro é uma busca de esperança, no mínimo a incerteza quanto a dias piores. Foi Alçada Baptista, o extraordinário escritor português, autor da Peregrinação Interior, quem me fez lembrar que o padre Vieira tinha "saudades do futuro", o que completa o ciclo das vivências, porque o racional são as saudades do passado.
Kundera, especulando sobre esse tema, considera que a "modernidade, conforme se vai envelhecendo, se converte em algo impressionante, como a única substituta da juventude". Leio o que acontece no Afeganistão e fico a destruir tudo o que se pode pensar sobre o que é a modernidade e o que é o passado. Paro em uma página de Eça de Queirós, nesta fase em que a releitura é um convite a não abandonar o hábito da leitura. Ele nos fala da guerra dos ingleses no Afeganistão no século XDC É uma página que confirma a dúvida sobre o moderno antigo ou o antigo moderno.
Vamos ler o Eça das Cartas da Inglaterra, a tratar desse mesmo tema da repetição da História e da tragédia desse país:
"Em 1847, os Ingleses, por uma Razão de Estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do Império... invadem o Afeganistão, e aí... apossam-se, por fim, da santa cidade de Kabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens...; e, logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória... fumam o cachimbo da paz... Assim é exatamente (agora) em 1880." Mudados os personagens, tudo igual em 1847,1880 ou agora.
E Eça continua: "...começa uma marcha assoladora, com cinquenta mil camelos de bagagens, telégrafos, máquinas hidráulicas, e uma cavalgada eloquente de correspondentes de jornais. Uma manhã avista-se Kandahar e num momento é aniquilado, disperso no pó da planície o exército afegão... Kandahar está livre! Hurra!"
"A bomba de Vaillant (anarquista que atacou o parlamento francês)... espalhou um terror mais intenso... porque, pela primeira vez, a sociedade sentiu a temerosa dinamite arremessada contra um dos seus grandes órgãos vitais, contra o centro regulador de suas fruições..."
"O Governo decreta terríveis leis de repressão e, com o apoio entusiasta do país todo, os anarquistas são perseguidos, em montarias, como lobos..."
O moderno, assim, nos parece o futuro do ontem É a mesma crueldade do terror, e a humanidade presa do medo, dominada pela violência. A fronteira entre a realidade e o abstrato fica indefinida. Mas não morre a esperança de dias melhores, sempre o sonho do reino da paz.
Enquanto não chega, vamos embrutecendo, inertes, insensíveis, em frente da televisão. Passam riscos de luz, relâmpagos de foguetes cruzando os céus.
É o cotidiano da modernidade, uma notícia da CNN.