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O Brasil vai mudando

 

Ao contrário do que comemorou o advogado Márcio Thomaz Bastos após o voto do revisor do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, parece estar se formando no plenário do Supremo Tribunal Federal um posicionamento majoritário contra a tese do caixa dois defendida pelos réus, engendrada nos porões das atividades eleitorais petistas.

Houve mesmo quem, como a ministra Rosa Weber, tenha assegurado que “não importa o destino dado ao dinheiro, se foi gasto em despesas pessoais ou dívidas de campanha. Em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de ser indevida”. Esse entendimento está fazendo com que os ministros que votaram até agora deixem isolados os dois que optaram pela absolvição do petista João Paulo Cunha, presidente da Câmara à época em que os crimes em julgamento foram cometidos.

Parece também ser consenso da maioria que vai se formando a tese do procurador-geral da República de que esse tipo de crime não é feito às claras e é de difícil comprovação, e por isso exige do julgador bom-senso. Rosa Weber foi específica: “(...) quem vivencia o ilícito procura a sombra e o silêncio. O pagamento não se faz diante de holofotes. Ninguém vai receber dinheiro para corromper-se sem o cuidado de resguardar-se.”

Devido à dificuldade inerente a esse tipo de crime é que vários ministros reconheceram, como Rosa, que se tem “admitido certa elasticidade na admissão da prova acusatória” nos chamados “crimes da intimidade” como o estupro, quando se valoriza o depoimento da vítima. Disse ela: “Nos delitos de poder não pode ser diferente. Quanto maior o poder ostentado, maior a facilidade de esconder o ilícito com a obstrução de documentos, corrupção de pessoas. A potencialidade do acusado de crime para falsear a verdade implica maior valor das presunções. Delitos no âmbito reduzido do poder são pela sua natureza de difícil comprovação.”

Dois ministros deram a seus votos a dimensão da proteção da sociedade: Cármen Lúcia e Luiz Fux. Fux disse que “temos que nos preocupar com a dignidade das vítimas, que é toda a coletividade brasileira”. Ele classificou o caso várias vezes de “megadelitos” e chamou a atenção para o fato de que em alguns momentos o que poderia ser considerado apenas um erro administrativo ou delito menor ganha outra dimensão porque realizado “em um contexto maior”.

Para Fux, “a cada desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome, mais uma localidade fica sem saneamento, mais um hospital, sem leitos. Estamos falando de dinheiro público, destinado à segurança, à saúde e à educação”.O ministro chamou a atenção também para a questão das provas, que pode gerar “a situação grotesca da necessidade de se obter uma confissão escrita sobre esses fatos que não se imagina que efetivamente ocorra”.

Por isso, ele diz que hoje há uma função “persuasiva” da prova em contraposição “àquela real e absoluta”. O juiz parte de um fato conhecido para chegar a um desconhecido, “um trabalho de construção da realidade fática”.Fux colocou no plenário a discussão sobre a “presunção de inocência”, afirmando que “não é qualquer fato posto que pode destruir a razoabilidade de uma acusação”. Ele disse que ouviu muito durante as defesas a tese recorrente de que “não há prova” contra este ou aquele, mas lembrou que “o álibi cabe a quem o suscita, portanto, à defesa. Se ela alega um álibi, precisa apresentar os elementos que o sustentem”.Também a ministra Cármen Lúcia disse que, independentemente do resultado do julgamento, “o Brasil mudou”, falando da “grande indignação” que os fatos em julgamento provocaram. Ela considerou que o fato de João Paulo Cunha ter mandado sua mulher apanhar o dinheiro de Valério no Banco Rural em Brasília demonstra uma “singeleza extremamente melancólica para nós brasileiros, de uma certeza de impunidade, de que nada se terá descoberto. Fez às claras para se esconder”.

É de se notar que Gilmar Mendes praticamente antecipou seu voto com relação a João Paulo ao comentar sua posição no recebimento da denúncia, quando considerou o fato “atípico”, uma atenuante.

Ele explicou que “à época, mandar um parente próximo parecia que estava recebendo uma ordem de pagamento. Depois viu-se que era uma forma de esconder”.

 O Globo, 28/8/2012