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Acredite quem quiser

 

Ao final da defesa dos quatro mais importantes réus do mensalão, já é possível se ter uma ideia dos rumos que o julgamento vai tomar, embora continuemos, como de início, sem saber o resultado final que sairá da cabeça dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal.

Se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao fazer sua denúncia, teve carência de provas materiais, mas citou abundantes provas testemunhais, os advogados de defesa procuraram ontem desmontar sua bem contada história, enfatizando que a acusação utilizou-se de testemunhos dados antes da fase do contraditório.

Os advogados tentaram desqualificar assim as testemunhas de acusação e alegaram que o procurador-geral utilizou-se de depoimentos colhidos na CPI dos Correios, um cenário político onde as palavras ditas seriam mais tendenciosas. As provas testemunhais da defesa, no entanto, foram todas de petistas ou de pessoas envolvidas nas acusações, o que também não estabelece uma zona de credibilidade indiscutível.

Dois dos advogados, Arnaldo Malheiros Filho, de Delúbio Soares, e Marcelo Leonardo, de Marcos Valério, admitiram “atividades ilícitas” e “caixa dois eleitoral”, ao contrário de José Luís Mendes de Oliveira Lima, o advogado de José Dirceu, que passou longe de admitir qualquer tipo de crime de seu cliente, mesmo o eleitoral.

Da defesa dos três que formaram, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o “núcleo político” do mensalão, têm-se a impressão de que o PT era um partido completamente acéfalo, que ninguém comandava e no qual todo mundo tinha uma atividade específica sem ligação com um objetivo final, nem político, muito menos criminoso.

Dirceu, segundo a narrativa de seu advogado, que contradiz a do próprio Dirceu em várias ocasiões, era um ministro influente, mas não interferia no PT — partido que ajudou a fundar e do qual fora presidente até pouco tempo antes de assumir o cargo no primeiro governo Lula —, e não indicava pessoas para cargos no governo. Estaria longe, portanto, de ter o “domínio final do fato”, o que o caracteriza, segundo a acusação, como “chefe da quadrilha”.

Genoino, presidente do PT, segundo seu advogado só fazia acordos políticos e não tinha a menor ideia sobre questões financeiras. Mas seu advogado esqueceu-se de falar que Genoino assinou os empréstimos bancários com o BMG e o Rural, — que, segundo a denúncia, foram simulados para justificar o desvio de recursos públicos — o que demonstra que sem sua assinatura eles não poderiam ser tomados pelo tesoureiro Delúbio Soares. Logo, Genoino deveria saber que empréstimos eram. Ele os negou até que a assinatura apareceu, e alegou que assinara sem ler.

E Delúbio bolou essa estratégia com o auxílio de Marcos Valério, por uma amizade repentina que os uniu logo depois que o deputado mineiro Virgilio Guimarães os apresentou, em 2003, sem que ninguém, no PT ou no Palácio do Planalto, tivesse autorizado.

O detalhe de que Valério havia aplicado sua expertise de desviar dinheiro público para campanhas eleitorais na eleição mineira de 1998, para tentar eleger o tucano Eduardo Azeredo governador de Minas, só faz aumentar os indícios de que essa aproximação tinha um objetivo espúrio, fato ressaltado pelo procurador-geral.

Mas ao explicar porque Dirceu se encontrou com a direção do Banco Rural, em companhia de Valério, no período em que o banco fez um “empréstimo” ao partido, o advogado José Luís Mendes de Oliveira Lima alegou que receber empresários é função do ministro-chefe da Casa Civil.

Os fatos de que o BMG ganhou exclusividade para explorar o crédito consignado logo que foi lançado e o Banco Rural negociava uma decisão do governo sobre o Banco Mercantil de Pernambuco seriam coincidências que nunca entraram nas conversações.

Marcelo Leonardo, advogado de Valério, foi o protagonista de um anticlímax revelador das dificuldades de sua defesa. Foi o mais enfático dos advogados, mesmo quando defendia causas de antemão perdidas, e pediu a absolvição de todos os 9 crimes de que seu cliente é acusado. Mas, ao final, piscou. Disse que se, “por absurdo”, Marcos Valério for condenado, que o Supremo lhe dê penas leves.

Não devemos ter grandes novidades nas demais defesas, e os ministros do Supremo terão mesmo que se guiar por suas convicções pessoais: há sete anos há uma narrativa coerente sobre um esquema criminoso montado de dentro do Palácio do Planalto para comprar a adesão política ao governo, e a tentativa de transformar essa ação em crime eleitoral, banalizado na vida política brasileira. Acredite quem quiser.

O Globo, 7/8/2012